não conte pra mamãe

22.11.05

29

Fico tanto tempo diante da tela do computador, que comecei a misturar realidade e informática.
Outro dia, derrubei um copo de refrigerante e a primeira coisa que me ocorreu foi dar um undo.
É como nos primórdios, quando era viciado em tetris. Jogava tantas horas por dia que quando saía na rua, tentava encaixar os carros uns nos outros visualmente.
Mas agora piorou.
Piorou porque o vício agora é informação.
RSS, email, previsão do tempo, messenger, ações, preço do dólar, tudo wi-fi, tudo on-line, o dia inteiro se atualizando nas telas ao meu redor.
Aos poucos a gente vai criando uma hierarquia de importância. O jornal que você recebe de manhã não tem mais as notícias relevantes, está na base da pirâmide. É só um documento histórico dos fatos que ocorreram num passado distante: ontem.
Depois vem os sites com notícias da última hora, últimos minutos, e finalmente últimos segundos.
No topo da pirâmide vem o CNN Alert. Um serviço que envia SMS ou e-mail apenas as notícias realmente relevantes.
Aquela história de que usamos apenas 3% da capacidade do cérebro deve ser mentira. O meu já lotou.
Cheguei no limite da capacidade de sinapses por segundo e nem aprendi a jogar xadrez direito. Que desperdício. Sofro da Síndrome de Excesso de Informação (SEI) que o Sérgio Davilla se referiu na última Veja...ou foi na Folha? A sigla é SEI. Mas deveria ser NÃO SEI, porque sempre acho que preciso saber mais e mais sobre alguma coisa. O furacão, a CPI, o acidente na Marginal, a cada segundo um novo acontecimento exige que eu me dedique a compreender suas causas e conseqüências.
Tudo porque alguém disse que informação é um ativo profissional. Se você não souber tudo, será sumariamente demitido.
Então tem que passar boa parte do tempo dando refresh no seu conhecimento. Tanto tempo, que não sobra tempo para usar a informação. Mas usar o que se aprende também não importa, porque, ironicamente, hoje em dia para galgar os galhos da árvore corporativa, você não precisa fazer uso do conhecimento adquiriu. Precisa apenas parecer que sabe de tudo. É como no Google. Qualquer pergunta que você fizer terá um link e não uma resposta. A idéia é que você se transforme com o tempo, num Google vivo. Um homo googles.
Não precisa conhecer nenhuma informação.
Mas precisa saber onde encontrá-la instantaneamente. Stanley Bing, colunista da Fortune, ilustra bem essa nova ética, comentando o caso de Harriet Miers, que acabou desistindo de sua indicação para a Suprema Corte americana. Ela desistiu de um cargo vitalício, ia se arranjar na vida. Desistiu porque não soube fingir que estava preparada por tempo suficiente. Miers não agüentou a pressão, coitada. Admitiu que não estava preparada. Então Bing pergunta: e quem está preparado?
Segundo ele, você deve sempre agarrar o cargo que lhe foi oferecido antes que outro despreparado o faça.
Lembra quando a regra era “você pode enganar pouca gente por muito tempo. Ou muita gente por pouco tempo. Mas não pode enganar todo mundo por muito tempo”? Bem, hoje em dia não é mais assim.
Você só precisa enganar as pessoas necessárias pelo tempo suficiente.
Essa é a nova ordem.
É por isso que não dá para desligar.
Tento desligar o computador, o celular e a televisão, mas é mais forte que eu.
Lembro da história do sujeito passando mal no bar, depois de comer três pratos de croquete.
Um amigo o aconselha:
- Enfia o dedo na garganta e vomita!
- Se coubesse meu dedo eu comia outro croquete.
Pois bem.
Se eu pudesse tirar as mãos do teclado, estaria zapeando o controle da TV.
No máximo consigo deixar o cérebro em stand by.
Para isso, cada um tem sua receita. No mesmo artigo, Sergio Davilla afirma que assiste episódios antigos de Seinfeld. Diogo Mainardi disse que assiste Curb your Enthusiasm. Também assisto aos dois. E ao Desperate Housewifes. E Lost, E.R e a um monte de outros. Isso explica o sucesso dos sit coms. São uma espécie de descanso de tela para o cérebro.
Mas esse tsunami de informação tem seu preço.
Outro dia alguém me disse que anda muito esquecido. Não lembro quem foi, mas por um segundo, voltei no tempo. Começou faz mais ou menos três anos. Os esquecimentos, os lapsos, as distrações.
Achei que era passageiro, mas foi apenas piorando. Hoje entro numa sala cheia de gente conhecida e mal lembro os nomes. Imagino como seria prático se, como acontece na internet, a gente pudesse parar os olhos sobre uma pessoa por alguns segundos e aparecesse um tag com informações básicas como nome, função, onde nos conhecemos, enfim, dados que apenas ajudem a clarear a memória e facilitar a navegação pelo mundo real.
Não vai demorar para aparecer um óculos que faça isso. Vai ser bluetooth e vai vender na Amazon. Se você comprar junto um chip de upgrade para sua memória, terá 20% de desconto.
Por enquanto produtos assim não existem.
Ainda não chegamos na fase em que a tecnologia trará as soluções.
Ainda estamos na fase em que trás apenas problemas.
Por exemplo, ao invés de surgirem serviços que substituam minha memória, os únicos serviços que surgem são os que me obrigam a armazenar mais e mais informação no meu cérebro sucateado.
E como não tenho mais espaço, jogo fora o que é irrelevante, como o nome das pessoas que eu conheço, por exemplo. Outro dia li que existe um novo serviço na Web e que o Google já comprou, que informa no seu celular os amigos cadastrados que estão numa área de 10 quadras ao seu redor, cruzando Wi-Fi, GPS, GPRS e mais três siglas que não lembro quais são. Claro que é um serviço opt-in, ou seja, você só pode ver e ser visto se autorizar o serviço. Mas o que me preocupa não é a privacidade, afinal foi-se o tempo que eu ia a lugares suspeitos. Hoje em dia o lugar mais suspeito que vou é na Mega Store da Alô Bebê. O problema é a maldita informação. Não satisfeito em saber que mais uma bomba explodiu no Iraque, agora também terei que monitorar a vida dos meus amigos Onde estão e o que estão fazendo? Ou porque não me convidaram para tomar cerveja?
Nesse turbilhão de informações, para meu azar, caiu na minha mesa o anúncio da virgindigital.com. Aquele que tem 74 bandas de rock. Não conheço maneira mais moderna de fazer comunicação. Por qualquer critério pelo qual avaliamos a comunicação tradicional, a peça é brilhante.
Uma imagem, num formato de anúncio, que nem sequer precisa ser veiculada. Distribuição viral, acerta em cheio o público alvo. E o tempo de exposição? Pegue a tal imagem e tente achar as bandas. Não tem nada legal que vicie tanto. Ninguém jamais olhou um anúncio por tanto tempo. Conheço gente que está há dois dias olhando a maldita imagem. Bem no meio da crise da mídia, aparece a mesmerídia. Uma tonelada de informação num formato página dupla e codificada, que é para ser mais interessante.
Enfim, estou mesmo preocupado a saúde do meu cérebro.
Preciso de assistência técnica. Ou de um update do meu sistema operacional. As novas gerações já rodam um sistema mais modernos de cérebro. Vem com melhor gerenciamento de memória. Outro dia, por exemplo, vi um garoto de 12 anos no David Letterman. Era um garoto comum americano, desses que fuzilam os coleguinhas e depois se suicidam. Nada demais. Estava apresentando seu projeto de ciência. Quando perguntado sobre seu hobbie ele respondeu “gosto de fazer animações em computação gráfica”. A platéia riu e ele ficou olhando com cara de “o que foi? Estão rindo do que?”.
Ainda bem que ele não estava armado, senão ia virar CNN alert.

16.11.05

28

Será que é disso que eu necessito?
Vem chegando o Natal e o Final do Ano. Como sempre, é tempo de paz, de amor, de distribuir presentes e de Campanhas pelo Prêmio Caboré.
Que importância tão misteriosa pode ter um prêmio, a ponto de expor os melhores profissionais de nosso mercado a tamanho ridículo? Qualquer coisa vale. Qualquer auto-elogio é bem vindo se for sincero.
Se a coruja acabar em nossas já super-povoadas prateleiras, vale fazer girar a máquina.
Vale verniz, valem formatos especiais, valem mais favores nas gráficas.
Não que seja um prêmio que valorize desempenho.
Alias, a maioria dos prêmios que inventamos, nós publicitários, não premiam desempenho.
Não dependem de nenhuma meta atingida específica.
Não temos que ser melhores que ninguém, ou vender mais produtos, ou fazer mais campanhas.
Os prêmios com os quais nós nos auto-bajulamos, são conferidos por nós mesmos, a nós mesmos, por critérios subjetivos e duvidosos.
Sentamos em volta de mesas, olhamos para as campanhas que nós mesmos fizemos, e trocamos elogios.
Usamos o voto como ferramenta de manobra.
Aí cada um pega seu caneco, sai mais ou menos feliz, contando para parentes e clientes as conquistas que ninguém sabe exatamente quais são.
Somos assim os publicitários.
Auto-premiados, nos satisfazemos.
E nessa época do ano, a pavonice atinge as raias do imoral.
Não queremos apenas que nos premiem de maneira blazé.
Oi? Eu fui o melhor...puxa que surpresa.
Nada disso.
Precisamos provar para todo mundo que somos melhores que os outros dois candidatos do Caboré para terminar bem o ano.
Não importam os critérios pelos quais seremos avaliados, assim como não nos importaram os critérios que nos colocaram entre os três candidatos.
O que importa é o prêmio.
Quando vejo os anúncios, o esforço, o humor cabotino que tenta dar à extrema vaidade um tom de ironia, fico envergonhado de ser publicitário.
Não deveriam ser permitidas campanhas. Não deveriam ser definidos concorrentes.
Vota quem quer, em quem quiser.
Tudo deveria ser no mais discreto silêncio que merece uma categoria já tão espezinhada.
Este ano merecíamos silêncio.