não conte pra mamãe

29.9.04

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Outro dia eu estava na sala de espera do meu dentista. Do meu lado, um sujeito falava no celular, e não pude evitar escutar o que ele dizia. Sem sua autorização, reproduzo aqui o que ouvi:
- Fala Junior...hmmm...tela azul? Não filho...deu pau...é...deu pau...oi? não...não tem manual...erro 41746? Não...não sei que erro é esse...já. Já me aconteceu, mas não o papai não sabe porque...não, já te disse, não tem no manual ‘o que é erro 41746’...[o sujeito levanta e começa a andar de um lado para outro, visivelmente irritado]...não, também não adianta ligar para a Microsoft...oi? porque não junior. Eles também não sabem o que é erro 41746.
Não sei sobre você, mas eu não gosto de me identificar com crianças de 11 anos. Este diálogo me deixou aterrorizado. Meu deus! Era assim que o pessoal de IT da minha companhia encara minhas dúvidas. Não tenho nada contra o pessoal do IT. Nada contra eles pessoalmente. Até gosto deste hábito de trabalharem com várias canetas no bolso, combinando com a gravata. Mas confesso que nunca fiquei confortável nas reuniões com eles. E são constantes, acredite.
Acontece que uma das tarefas para a qual não encontraram um idiota mais qualificado do que eu, foi decidir a compra de equipamentos do meu departamento.
Assim, mesmo sem ter nenhuma formação específica, de tempos em tempos tenho que digladiar com o pessoal de IT para demonstrar a importância de se colocar mais 256MB na máquina de alguma secretária. Procuro ser prático e tento explicar que a culpa não é minha (nem dela). A culpa é da nova versão do editor de texto que agora traz molduras-customizáveis-dinâmicas que consomem a mesma memória de um software de modelagem de moléculas do MIT.
Mas eles não entendem. Quando eles rebatem minhas solicitações, geralmente usam planilhas enormes, com milhões de variáveis indecifráveis que se cruzam para atestar que minha solicitação é absolutamente descabida. Quando as planilhas não são suficientes, usam expressões como “estrutura de processos”, “acesso de fluxo”, “validação das tasks” que não parecem fazer muito sentido.
Para lidar com eles, no início, tentava lutar com suas armas. Entender as planilhas se mostrou uma tarefa infrutífera. As fórmulas escondidas transformaram uma tarefa aritimética num enorme quebra-cabeças numéricos. Então tentei rebater seus argumentos com expressões ainda mais evasivas. Entrei no site http://www.buzzphraser.com/ onde você pode montar frases tão randômicas quanto a de um VP de IT. Mas também não funcionou. Eles são imbatíveis nessa linguagem.
Em desespero, tentei traze-los para o mundo real e mostrar que não faz sentido esperar 12 minutos para um memorando ser impresso. Outro dia um sujeito que trabalhava aqui me disse, “veja...eu vou colocar aqui no meu computador 4 multiplicado por 4...ta vendo? Eu sei que é 16...vamos ver quanto tempo ele leva para descobrir quanto é...vou pegar um café.”
Sei que ele me disse isso, porque me julga responsável por sua máquina ser tão lenta. Não tentei me eximir da responsabilidade. Apenas inclui seu nome na lista de solicitações de upgrade. No fundo, concordo com o pessoal do IT. Estou convencido que tudo que eu precisava para escrever uma carta já estava disponível na versão 1.0 de qualquer processador de texto. De lá pra cá, tudo que fizeram foi acrescentar detalhes supérfluos. O fato é que não consigo admitir que meu departamento trabalhe com versões anteriores de um software. É mais forte que eu. Um trabalho feito na versão 4.0 de um software que está na versão 8.0, pode até estar bem feito, completo e etc. Mas dá azar, sei lá...

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São nove horas da manhã e já estou preparado para mais um dia de ação.
Estou sentado em meu cubículo e daqui posso ver o canto da janela da sala do fundo. Vejo que o céu deve estar branco lá fora. Sou o único homem no mundo capaz de prever a temperatura olhando apenas para 6% do céu. Sei, por exemplo, que a única chance de chover é se os sprinkles dispararem. Também não vai fazer sol, já que a luz que me ilumina é uma combinação de duas lâmpadas fluorescentes que ironicamente se chamam “luz do dia” e “branca comfort”. A primeira é ligeiramente mais amarelada que a outra. O fato é que combinadas, as duas criam uma iluminação que comprovadamente aumenta minha produtividade em 12%. Nas próximas 8 horas a temperatura será de exatos 23 graus celsius. Se o sol lá fora bater com força do meu lado do prédio, eventualmente a temperatura em minha mesa subirá para 24 graus porque o ar condicionado não dará conta de equilibrar a temperatura dos dois metros quadrados que definem minha sala. Mas isso é tudo que vai mudar. Fico mais tranqüilo em saber de tudo isso. Também me conforta o fato de saber que o meu computador está conectado a uma rede segura, protegido do acesso de intrusos por firewalls e que um no-break garante pelo menos quatro horas de trabalho, mesmo que aconteça uma guerra nuclear e o Brasil seja, sabe-lá-deus-porque, o primeiro alvo. Neste caso ou no caso de um incêndio comum, o carpete é anti-chama. As paredes e divisórias também. Os vidros são inquebráveis. Alias, olhando em volta percebo que só eu e aquela pilha de papel sulfite somos inflamáveis. Na minha frente, um leigo poderia pensar que tenho um copo de café. Alguém mais familiarizado com as idiossincrasias da minha companhia, poderia imaginar tratar-se de um expresso conseguido na máquina do segundo andar, mediante negociações com a senhora que cuida da cozinha. Mas não. Só eu sei que na verdade tenho uma mistura de achocolatado com café na razão de 3 para 1, com 3 gotas de adoçante. As vezes acho que deveria mandar patentear o modo de preparo deste elixir energizante. Só ele me faz passar o dia motivado e feliz. Ou ao menos, mantém meus olhos abertos boa parte do tempo.
A verdade é que para ocupar as horas do meu dia, tenho criado rituais idiotas, que não conto para ninguém. Como misturar água gelada com água normal para tentar encontrar a temperatura ideal. Ou passar horas organizando os objetos sobre a minha mesa, numa espécie de feng-shui minimalista.
Mas o que mais me seduz é participar de reuniões com meu bloco de anotações com o logo da companhia. É um bloquinho vertical, que só de farra utilizo na horizontal. Tem a capa vermelha para combinar com a fita onde está pendurado meu crachá.
Sento na mesa de reuniões e me preparo para a ação. Coloco o bloquinho na minha frente na posição horizontal e reparo o desconforto dos meus pares. Eles sabem que não sou como ele. Sabem que sou um outsider. O cliente entra na sala. A batalha vai começar.