não conte pra mamãe

24.1.07

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Em Buenos Aires, toma-se muito vinho.
Não é o consumo metido, como o daqui.
Vinho, em Buenos Aires, é bebida simples, corriqueira.
É um prazer que acompanha uma refeição.
Você não precisa conhecer profundamente do assunto.
Nem fazer caras e bicos.
Não precisa pagar 500 dólares a garrafa.
Pensando bem, não precisa pagar 20 dólares a garrafa para apreciar um bom vinho.
Alias, a própria idéia de "apreciar um bom vinho" já traz em si uma certa empáfia, típica dos brasileiros que consomem vinho como símbolo de status.
Em Buenos Aires, vinho é coisa simples.
Em Buenos Aires, a frota de veículos é velha.
Melhorou muito na última década.
Mas ainda é antiga.
Carro, por lá, não é um símbolo de status, como é por aqui.
Lá não existem carros que custam o mesmo que uma casa.
E mesmo as casas, muito bem cuidadas por lá, custam muito menos que aqui.
Lá não existem esses nossos portões de garagem inflados, sabe quais são?
Esses que avançam sobre a calçada, para caber o carro do proprietário.
Um sujeito que coloca uma SUV num sobradinho de 70 metros quadrados.
Os argentinos riem disso quando vêm para cá.
Para eles, é incompreensível que o sujeito viva apertado, mas compre um carro que sequer cabe na garagem e depois tenha que modificar o portão apenas para acomodar seu ego.
Em Buenos Aires, não existe essa poluição visual inaceitável de out-doors, placas e cartazes em cada esquina.
Essa mesma poluição que o Kassab está tentando dar um basta, a despeito de toda a dificuldade imposta pela nossa medíocre e míope elitizinha publicitária que mais se preocupa com o próprio bolso do que com os outros 17 milhões de habitantes que são obrigados a conviver com esse lixo visual.
Em Buenos Aires a publicidade out-of-home é mais organizada e limitada a espaços menos invasivos do que por aqui.
Em Buenos Aires, cidade é para viver, casa é para morar, carro é para passear, e vinho é para beber, olha só que simples.
É uma vida mais frugal e mais lógica que a nossa.
E bem os argentinos, famosos por seu orgulho exagerado, nos dão um baile de simplicidade.
Porque será?
Arrisco uma teoria.
Somos um povo miscigenado demais, heterogêneo demais.
Um povo cujos sonhos sempre estiveram ligados à idéia de ascensão social.
Um povo cuja elite sempre foi exclusiva e não comprometida.
Subir da senzala para a casa grande sempre foi uma improbabilidade.
Essa herança deve estar em algum canto do nosso DNA cultural.
Esse desejo de se destacar da base da pirâmide a qualquer custo.
Assim, nossos símbolos de prosperidade estão em toda a parte.
Olha só o meu relógio.
Olha só o meu tenis.
Olha só o meu carro.
Olha só como eu entendo de vinho.
Olha só.
Na Argentina, ao contrário, essa história deles serem "um pedacinho da Europa", lhes provê uma segurança atávica, que lhes autoriza a não precisar provar nada para ninguém.
Um jeito de viver que os isenta da constante reafirmação de status.
Lá - na média, já que obviamente existem exceções - quem é mesmo chique, não ostenta.
Se orgulha de conseguir pagar pouco numa liquidação.
Aqui, neguinho compra calça Diesel falsificada na 25 de março e diz que pagou uma fortuna no shopping.
Olha só.
Talvez por isso, por serem tão seguros de si e orgulhosos de sua condição, os argentinos não admitam que sejamos nós, "los monitos", tão evidentemente superiores no futebol.
E que Pelé seja infinitamente melhor que Maradona.
Ora, por favor.
(eu sei que essa superioridade não muda nada na prática, mas por dever cívico eu não iria terminar um texto botando os argentinos lá em cima.)

2 Comments:

At 12:11 PM, Blogger CAUDA LONGA said...

Argúcia, lucidez e pertinência!
Meus parabéns pelo texto... por este e pelos demais publicados.

 
At 3:36 PM, Blogger Julia said...

Preciso de uma opinião sua.
Mais detalhes no email a seguir.
Ótimo texto, parabéns.

 

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