não conte pra mamãe

9.3.05

13

No quarto da minha mãe tinha uma enorme televisão em branco e preto. Pensando bem, não deveria ser tão grande assim. Mas era a janela mais interessante do apartamento, então me lembro dessa TV com dimensões gigantescas.
Foi nela que em 69 meu pai, eu e minha mãe assistimos a chegada do homem à lua. Lembro das imagens, das manchas, do som indistinguível tudo muito vagamente. O que mais me lembro foi da expressão do meu pai. Eu tinha seis anos e não compreendia a dimensão da conquista. Mas pela expressão do meu pai, percebi que o que estava acontecendo não era coisa comum.
Tem gente que não acredita até hoje, mas é porque não viu a cara do meu pai.
Um tempo incrível para uma criança de cinco anos viver. O homem na lua, o Brasil no México, tão distante quanto.
Lembro de assistir um Corinthians e Santos no tobogã do Pacaembu. Lembro do meu avô, palmeirense de carteirinha, dizendo para o Neto Corithiano de teimoso: tá vendo aquele negão, aquele com a camisa 10? Então. Esquece o seu Corinthians e olha pra ele o tempo todo. Um dia você vai poder dizer que viu o rei jogar. Não estou certo que ele tenha dito "rei". Mas numa época mágica como aquela, só um rei poderia desviar a atenção do Rivelino.
Eu morava na Rua Alagoas, esquina com a Itacolomi. A uma quadra apenas da Polícia Federal onde mataram o Herzog. Não que eu me importasse com isso aos seis anos. Primeiro, porque ainda não o haviam matado. E segundo, porque naquela quadra, meu interesse resumia-se a um terreno baldio, ao lado da delegacia, onde a gente jogava futebol. Eventualmente a bola caia na delegacia e tenho que admitir, por irresponsável que pareça, que os policiais devolviam a bola com mais facilidade que a vizinha do outro lado.
Mas de volta ao mundo da lua, o dia que Neil Armstrong decretou que a humanidade dava um passo gigantesco não chegou a me comover tanto quanto com a crise da Apolo 12.
Essa sim foi bacana. Na verdade, só vim a entender que tratava-se da Apolo 12 quando Tom Hanks pilotou a nave no cinema. No começo da década de 70, tudo que eu sabia era que havia um astronauta perdido no espaço e não era o Will Robinson. Aquela sim era uma história interessante. E mais: eu vi o acidente acontecer. Você pode não acreditar, mas eu vi.
Vi a explosão do motor lateral, ou seja lá o que arrebentou.
Explico: na véspera do acidente, fui comer pizza na casa do meu avô italiano, o mesmo que me mostrou o rei. Era comum que ele me levasse até o portão, depois da pizza, pra falarmos de futebol e ele fumar seu cigarro em paz, longe da minha avó. Como sempre, em noite de lua cheia ele recitava para ele mesmo um versinho italo-brasileiro: "Luna, luna, me traz um piato de macarrone".
Naquele instante, quando ele disse luna, eu olhei para o céu, para ver a lua cheia. Foi nesse instante que vi um pontinho de fogo, do lado debaixo da lua, no preto do céu. Um pontinho de nada, como a brasa de um cigarro, eu vi brilhar.
Não achei que era importante até o dia seguinte, quando começaram a falar da explosão da Apolo 12. Contei pra um e pra outro, mas ninguém deu atenção. Quem daria? É certo que uma vez meu tio viu quando joguei uma moeda no chão e ela parou em pé, dessas coisas que só acontecem com crianças. Mas a moeda estava ali, pra todo mundo ver. A explosão não. Ninguém acreditaria.
Mesmo porque meses antes eu tentei convencer a todos que o Godzilla tinha destruído uma estação da TV Tupi. Bons tempos aqueles.