não conte pra mamãe

2.6.06

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Outro dia fiquei sabendo do Lúcio.
Faltava de tudo para o coitado.
Dinheiro principalmente.
Não tinha emprego, abandonado pela mulher, morava num quarto e sala sem graça.
Tinha uma vida tão infeliz, que contraiu uma uretite de tanto segurar a urina.
É que segundo ele, o único momento feliz do seu dia, era quando mijava depois de horas de aperto o pobre do Lucio.
Quando podia pagar pela internet, mandava e-mails para endereços que inventava, só para receber as mensagens de erro.
Desligou a secretária eletrônica assim gastava menos eletricidade e tinha a chance de ao menos imaginar quem poderia ter ligado.
Pobre do Lucio.
Quase deixou de fumar, não por força de vontade, mas porque regulando o vício, gastava menos e como benefício adicional transformava o momento que colocava um cigarro na boca num momento quase tão feliz quanto uma boa mijada.
Um lutador o Lucio.
Mas um dia resolveu por um fim no seu martírio.
Procurou uma técnica que fosse infalível.
Encontrou, mas era trágica demais.
Segundo um manual de origem suspeita, encontrado num sebo do lado do Belas Artes, ele deveria dar um tiro no céu-da-boca, com a boca cheia d'água.
Com ilustrações detalhadas, o livro mostrava como a bala iria em direção ao cérebro, seguida de um fluxo explosivo de água.
Não tinha erro.
Coisa horrorosa pensou o Lucio.
Afinal, depois de tanta tristeza, queria que seu momento final fosse feliz, afinal.
Um suicídio alegre, gostava de pensar numa lógica que só ele compreendia.
Veneno de rato era nojento.
Se jogar do Terraço Italia era tão anos 70.
E não era opção pois tinha medo de altura.
Resolveu tomar remédio pra dormir.
No dia marcado, sentou na poltrona em frente à TV e preparou um chá com o frasco todo do tarja preta.
Tomou justo quando começou o Jornal Nacional.
O Bonner começa a ler os resultados da mega-sena, Lucio lembra que jogou.
Tira a carteira do bolso e procura o bilhete, no meio dos recibos do RedeShop.
Acompanha o primeiro número.
Quatro.
Acertou.
O sono vinha rápido. As palpebras pesavam.
Dezesseis.
Acertou.
Vinte e oito.
Certo de novo.
Era quase impossível ficar acordado, mas um terno ele nunca tinha feito.
Cinquenta e cinco.
Quadra.
Lucio pensou no que poderia ter feito com o dinheiro.
Apesar de que quadra paga uma merreca, pensou com o corpo tombando pro lado.
Setenta e três, Bonner parecia estar cochichando.
Ele falou setenta e três?
Se falou é quina.
Lucio fez um acordo com o sono. Resolveu fechar os olhos e escutar o último número.
Se fosse noventa e nove era sena.
Mas não deu tempo.
Lucio morreu justo quando Bonner anunciou que a Caixa Econômica informava que houve apenas um acertador.