não conte pra mamãe

30.4.06

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Tenho idade para ter sido testemunha, mas não para ter torcido pela Seleção do Tri.
Na minha família italiana, a bem da verdade, eu deveria ser o que menos se interessava por futebol.
Com pouco mais de cinco anos, não me lembro bem dos detalhes.
Lembro apenas o suficiente para discutir com quem insiste que os jogos foram transmitidos em cores.
Não foram.
Mas isso é assunto menor.
O jogo é Brasil e Italia, final da Copa de 1970 e a sala da casa da minha avó está lotada.
Metade da família torce para o Brasil e a outra metade finge que torce para a Italia.
Eu sou esse sentado meio no canto, dando completa atenção para uma moeda de cinqüenta centavos.
Em homenagem ao árbitro, tinha acabado de aprender como lançar uma moeda para cima com o polegar.
E por alguma razão mágica, aquela moeda e o jogo, na minha cabeça, estavam conectados.
Pelé pra Tostão, Tostão pra Jair e a moeda voa da minha mão para decidir o lance.
Gira no ar e reflete o verde e amarelo em preto e branco da TV.
Começa sua queda quando Jair na boca da área enche o pé num chute cruzado.
No piso de tacos, escorregadio, a moeda girava sem parar quando tudo ficou em câmera lenta.
A bola, quadro-a-quadro entrou pelo gol italiano e fez a rede mexicana balançar.
Termina a câmera lenta.
A sala explode em alegria.
Foi então que percebi tudo.
A moeda está lá, parada em pé, impávida sobre os tacos lustrosos, imune à gravidade.
Olho em volta, a procura de cúmplices, mas estão todos vibrando, brasileiros e falsos italianos.
Olho de novo para a moeda. Com os pulos da torcida, ela bambeia e cai.
O milagre tinha acontecido.
A moeda fez o gol.
Se você duvida, pegue uma moeda e jogue para o alto.
Aposto que ela nunca vai parar em pé.
Como nunca mais haverá um outro gol como aquele.
Olhei em volta e a emoção havia se dissipado.
Todos voltaram a sentar, agradecidos com o placar.
Nunca saberiam que fui eu e a moeda que fizemos o gol.
Foi então que meus olhos cruzaram os do tio Orlando, o mais italiano dos meus parentes.
Ele me olhava e sorria.
Um sorriso de lábios, sem mostrar os dentes.
Ameacei perguntar mas antes que eu pudesse falar, ele disse com sua voz mansa e sotaque calabrês:
"Eu vi. Pode ficar tranquilo, porque eu vi tudo."
Acho que foi meu primeiro suspiro. De alívio.
Olhei para a moeda e ela estava lá, abatida.
Como o goleiro italiano.
Futebol, pra mim, é isso.