não conte pra mamãe

22.3.07

98

Não conte pra mamãe não mora mais aqui.

Eu, como o resto do planeta, resolvi migrar o NCPM para o WordPress.

Então, se você costumava passar por aqui, atualize seu link.

Não conte pra mamãe agora vai viver aqui:

http://naocontepramamae.wordpress.com/

15.3.07

97

Estava olhando algumas fotos das reações à visita do presidente George W. Bush ao Brasil.
São imagens fortes.
Mostram violência de ambos os lados.
A polícia espancando manifestantes.
Um garoto atirando tinta vermelha num prédio.
Duas neo-hippies, seios de fora, palavras de ordem pintadas no corpo.
Gente sangrando, vidro quebrado e caminhões do exército nas ruas.
Uma imagem, no entanto, chamou especialmente minha atenção.
Não mostra nenhum abuso ou agressão.
É a foto de uma multidão com bandeiras vermelhas e camisetas temáticas.
Muita gente. Milhares.
Olhando cada detalhe da foto, fica claro que há muito esforço para unir tanta gente com mensagens tão bem elaboradas.
Numa camiseta, Bush tem um bigode de Hittler aplicado e o "S" de "Fora Bush" é uma suástica. Uma faixa tem os dizeres "Chega de Chacina". Outra diz apenas "Kyoto". E assim vai. Milhares de faixas, cartazes, camisetas.
Todos reunidos para protestar pela vinda do presidente polêmico.
Não sei como um americano entende essa foto.
Diferente das cenas de violência, que poderiam ser vistas como atos individuais, esta foto, em especial, mostra um esforço coordenado.
Não me preocupa qual será a reação do americano comum.
Este mal sabe onde fica a América do Sul.
O que me preocupa é o que pensará o americano esclarecido.
Aquele que lê jornais.
Aquele que acompanhou os escândalos do primeiro governo Lula.
Aquele americano, que a certa altura do escândalo do mensalão, pensou: esse povo brasileiro realmente é pacato, afinal, é roubado à luz do dia e não reage.
Aquele americano que ouve falar da violência no Rio, do tráfego de drogas, dos turistas assassinados, e que assistiu, na CNN cenas do Carnaval no Sambódromo e pensou: gente de paz essa...
Aí o sujeito abre o NY Times e dá de cara com essa imagem.
Aquela gente sempre sorridente e feliz, que desfila nua em fevereiro, resolveu se coordenar não para expulsar o José Dirceu, ou para exigir que o congresso não aumentasse seus salários, ou para pedir leis mais rígidas contra crimes hediondos.
Nada disso incomoda o pacato brasileiro, pensa o americano esclarecido, só o Bush tira essa gente do sério.
O americano esclarecido, então, muda a página do jornal, pede outro Martini e pensa:
Pronto brasileiros.
Podem voltar a sorrir.
Agora que Bush já voltou, sua vida pode voltar ao normal.

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O Ministro Waldir Pires, da Defesa, censurou um texto do Boris Casoy que falava sobre o levante comunista de 35 e Luiz Carlos Prestes. Mandou tirar de uma publicação do Ministério. Um Ministro da Defesa não nos permitiu ler o texto do Boris. Do que será que ele está nos defendendo? O que assusta é que Waldir Pires é advogado e teve seus direitos políticos cassados em 1964. Alegou que levantar "estes assuntos pode abrir feridas antigas". Censurar não abre feridas antigas? Como lembrou Elio Gaspari, a França vive em paz com a degola de Luiz 16. Não se pode - via censura - apagar o passado. Triste fim Ministro.

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Digg é o site que mede a popularidade dos assuntos na web. Sabe qual é o assunto mais popular na categoria World & Business hoje? Veja, entre todos os assuntos relevantes, da crise na economia americana com a falta de liquidez dos consumidores sub-premium até a guerra do Iraque, o assunto mais popular é "Demonstre seu apoio para as mulheres que querem fazer topless". Como diria Nelson Rodrigues, "toda unanimidade é burra".

12.3.07

96

De tempos em tempos, vou publicar essas pesquisas. Esta primeira é só um teste do widget que faz a pesquisa. Mas responda, ok? Assim eu posso ver se funciona.

22.2.07

95

Foi Marcel Proust quem disse que a vida ofusca a vida.
Na verdade não foi exatamente assim que ele falou, mas é assim que eu me lembro.
A idéia é que, vivendo a ilusão da imortalidade cotidiana, deixamos para lá planos, adiamos sonhos, deixamos a vida passar.
Lá se foi a vida, exatamente porque tínhamos vida para gastar.
Ao contrário, no Carnaval, parece que a idéia de que somos mortais se evidencia.
Por alguma razão, nestes quatro dias corremos atrás do tempo perdido - olha Proust aí de novo.
As danças a pouca roupa, tudo é exagerado como se o mundo estivesse prestes a acabar.
Não é invenção nossa esse comportamento.
O Carnaval tem, na origem do mito, essa subversão.
Marcelo Dantas da Costa explica que o nosso Carnaval é herdeiro dos ritos agrários.
Assim, festejar a fertilidade e a mulher, em conjunto, eram uma espécie de superstição nas vésperas no final do Inverno, início da Primavera.
É certo que aqui estamos no Verão e a próxima estação é o Outono, mais uma idiossincrasia brasileira: as mulheres nuas da Sapucaí justificam-se apenas pela sua própria beleza. Que fertilidade, que primavera, que nada.
O fato é que os dias do reinado de Mômo terminaram.
Pelo menos oficialmente e de Minas para baixo, já que no Nordeste teremos ainda muitas Micaretas até o Natal.
O curioso é que, pensando como Proust, acaba o Carnaval e voltamos para a rotina cotidiana. Aquela que ofusca o brilho dos sonhos.
Só que aqui, na terrinha, não é só o tédio diário, não é só a vida que ofusca a vida.
Aqui é a violência mesmo.
É a incompetência dos governantes mesmo.
É a nossa lenta reação, para a ação em câmera acelerada do resto do mundo que impede nossa vida de florecer seja em que estação do ano for.
Esse é nosso brasilzinho.
Muita festa sem justificativa nenhuma.
Muita alegria para esquecer o amontoado de robalheiras.
Aqui não se busca o tempo perdido.
Aqui ainda estamos na fase de perder tempo.
Mas calma Proust.
A gente chega lá.

12.2.07

94

Sobre esse meu post anterior:
Esse egoísmo de nossas elites, apenas espelha, em pequena escala, o que ocorre no resto do mundo.
As elites do mundo geraram o terrorismo que lhes assombra a partir desse mesmo desejo de reter para si a prosperidade.
O combate ao terrorismo imposto pelo governo Bush, não vai surtir nenhum efeito, assim como colocar tanques nas ruas do Rio só vai criar mais e mais conflitos.
Assim se dá a escalada de violência.
Através de mais violência, de mais truculência, de vingança, de auto-defesa.
Os mísseis no Iraque, os Audi blindados, os tanques e a população se armando até os dentes, só revelam o nosso próprio medo.
Assim como o Iraque em frangalhos só revela a incompetência americana, o caso do menino João só atesta que não há defesa possível para a violência que nos cerca.
O paradoxo é que "defender-se" não será solução para a violência urbana ou para o terrorismo.
Não há campanha pela paz, não há ação anti-terrorismo que resolva.
Violência e Terrorismo são sintomas de miséria e exclusão.
O que nos salva é a distribuição da prosperidade e a inclusão da maiorias carentes.
Seja no Rio, em São Paulo ou no resto do mundo.

93

Votei no Partido Verde logo que surgiu, em 1987, numa eleição simulada na empresa em que eu trabalhava na época.
Fui o único voto.
Gostava do Gabeira.
Infelizmente, durante boa parte da década de 90, Gabeira apareceu com projetos estapafúrdios, como o da liberação da maconha.
Num país que não dá conta de tratar sequer de seus alcoólatras, como pensar em liberar as drogas?
Não fomos capazes de desenvolver um sistema de saúde digno, pago pelo Estado, como pensar em priorizar a liberação da maconha?
Mas esse é outro assunto.
O fato é que no início desta década, Gabeira voltou a chamar a atenção.
Primeiro tirando Severino da presidência da Câmara dos Deputados, um lugar que aquele sujeito nefasto jamais poderia ter chegado, muito menos presidido.
Recentemente, Gabeira foi ao plenário para mais uma participação (de tantas que acumula) relevante para a história moderna do Brasil.
Em poucas palavras, resumiu a solução do problema que nos afeta a todos: a violência.
Segundo Gabeira, a solução é simples. Dar dinheiro ao povo. Ponto final.
Gabeira disse isso de maneira quase ingênua.
Terminou sua fala e desceu para se misturar a outros deputados.
Em sua objetividade, Gabeira afirmou o óbvio que ninguém, pricipalmente nós, das elites, queremos ver.
Ponto, parágrafo.
Na semana em que o garoto carioca foi barbaramente assassinado, a Revista Veja, aquela mesma que tentou convencer seus leitores - e convenceu boa parte deles - que andar armado é uma alternativa coerente, a mesma revista que vem se mostrando retrógrada e reacionária em todos os temas relevantes deste país, decidiu que "é hora de dar um basta".
Veja publicou em itálico, intercalado com a descrição factual do lamentável ocorrido, uma quantidade incontável de afirmações descabidas, que não passam de palavras de ordem semi-fascistas.
Bobagens sem objetivo prático. Uma forma de desabafo, discurso vazio que poderia ter saído da boca de qualquer um dos playboys armados, representantes de nossa elitezinha inútl.
A geração da nobreza-fútil, que Veja ajudou a criar.
Ponto, parágrafo de novo.
O Fantástico, na Globo apelou. Durante quase dez minutos expôs uma mãe e um pai destruídos - como não poderia ser diferente.
Mas a certa altura, a matéria não trata mais da violência.
Qualquer pai e mãe que perdesse um filho - em qualquer circunstância - estaria igualmente arrasado.
Não faz sentido expor essa família além do [também questionável] depoimento sobre o fato em si.
Mas o Fantástico se alonga como sempre, para mostrar os detalhes mais cruéis da situação e comover a força.
Passado o drama-TV, o programa que, quase sempre, utiliza a Veja como referência não só de pauta mas até de opinião, tomou - surpreendentemente - outra direção e, ao ouvir Viviane Mosé, permitiu que o simplismo de Gabeira fosse explicado pela filosofia.
Gabeira e Mosé, em suma, dizem a mesma coisa:
A única maneira de nos livrarmos desta maldita violência que nos cerca, é nossa elite incompetente, essa da Daslu, essa dos Jardins, essa que anda de carros blindados, essa da Revista Veja, entender que não é mais possível esperar uma solução do governo. Não é mais possível pedir mais repressão policial ou o exército nas ruas. Incluídos e excluídos se desprezam mutuamente, mas esses últimos não têm nada a perder. Os excluídos nos superam em quantidade e em desprezo. Não é mais possível esperar que o problema se resolva se nós não dividirmos a riqueza. Se não permitirmos que mais gente tenha acesso à nossa vida de regalias e luxos mundanos. Essa gente não quer só comida, diz a música.
Só distribuindo riqueza, só dando dinheiro para o povo é que o problema vai se resolver.

Pode soar um discurso antigo, mas não é.
É muito moderno.
Muito mais moderno que a maconha do Gabeira.

10.2.07

92

Tenho pensado nas implicações da teoria de Chris Anderson, Long Tail e seus desdobramentos, no nosso pobre Brasil.
Até outro dia, Chris Anderson não havia conseguido colocar um bom exemplo de Long Tail aplicado para o mercado offline, ou mesmo para produtos não-digitais como músicas ou livros. Mas, recentemente, ele colocou em seu blog o case de Anheuser-Bush. A cervejaria criou uma divisão para cuidar especificamente de Long Tail e, nos últimos 10 anos, ampliou muito sua linha de produtos, adicionando variantes para nichos. Utilizando uma inteligente estrutura de distribuição, Anheuser-Bush consegue a capilaridade necessária para distribuir seus produtos de nicho por toda a América, ou mesmo captar produtos locais e distribuí-los por toda o país.
Lindo.
Mas o que isso tem a ver com o Brasil?
Simples: para contagiar o mercado offline, a epidemia Long Tail necessita, basicamente, de uma ampla estrutura com internet rápida e abrangente. Do tipo que não temos por aqui. Necessita mão de obra especializada em setores que nunca nos preocupamos em ter. Long Tail offline funciona nos Estados Unidos, mas evidentemente não é o caso no Brasil dos próximos anos. A consequencia é que o abismo entre os produtos importados e os nacionais vai ampliar-se ainda mais, relegando o Brasil a uma condição de país-não-customizável. Em outras palavras, o custo/benefício para “longtailizar” nosso mercado offline, será proibitivo.
Anderson fala, também, de uma tendência dos produtos digitais terem seus valores reduzidos até próximo de zero. Como aconteceu com a música. Veja: a idéia de baratear produtos digitais está intimamente relacionada ao fato dos recursos de produção terem baixado de preço. Hoje, gravar um CD não faz sentido economicamente. CD é uma mídia muito mais cara do que o “real state” do seu hard-disk. Com a facilidade de gravação dos equipamentos modernos, com a banda larga praticamente gratuita nos EUA, é muito barato produzir uma música. Tão barato que ela pode [e tem sido] distribuída de graça. A receita dos músicos deve ser obtida por shows e turnês, não mais pela venda de CDs.
Uma frase define bem esta tendência: “products for free, experience for a fee”.
Agora pense no offline. É razoável pensar que nos anos que estão por vir, num futuro que sempre é mais próximo do que imaginamos, os custos de produção vão se reduzir cada vez mais. Chegará o dia em que produzir um automóvel será tão barato que ele poderá ser dado de graça aos consumidores que assinarem, que pagarem o fee mensal da Volkswagen, por exemplo.
E aí? O Brasil está preparado para uma massiva economia de abundância offline?
Ao menos está preparado para a atual revolução online?
Uma mudança silenciosa, acontece no mundo como conseqüência de toda a evolução tecnológica que tivemos no final do século passado.
Você está preparado para viver num mundo em que quase tudo não vale nada?

29.1.07

91

Não é todo mundo que sabe, mas a água nos ralos do hemisfério norte, gira - ao contrário daqui - no sentido anti-horário.
Apenas esse fato isolado, facilmente explicado pela física, já serviria para provar como nós e eles somos diferentes.
Mas não é só isso.
Nunca me acostumei, por exemplo, com as portas dos prédios de Nova York - para sair - abrirem para fora, quando todo mundo sabe que portas de saída (exceção às de emergência) devem abrir para dentro.
Até pelo simbolismo de - ao abrir - uma porta trazer o lado de fora para perto de você.
Mas os americanos são assim.
A água gira no sentido contrário, as portas abrem no sentido oposto.
E imagine quantas outras diferenças sutis não devam existir entre nós e eles.
Fade out.
Fade in.
Estou parado na recepção over-acarpetada do hotel, de frente para a porta de saída, esperando Olivia vestir seu casaco de nylon rosa.
Tem capuz com pelos e isso é uma grande novidade para uma criança-tropical-de-cinco-anos.
Está frio lá fora. E estaria escuro, não fosse a profusão de luzes de Natal nos prédios da Park Avenue.
Olho o termômetro: quase um grau, que por sua vez, é quase zero graus.
Quase nem um grau sequer de calor.
Oli puxa meu sobretudo.
O capuz peludo está levantado e o cachecol sobre a boca, de modo que só os olhos estão à mostra.
Manu, Catu e Luli estavam no quarto, prontas para dormir.
- Onze da noite não é hora para uma criança de cinco anos sair à rua!
- Mas não foi pra isso que viemos, mãe? - perguntou Olivia, ainda no quarto, conquistando o direito do passeio tardio.
Os dois olhos mais curiosos do mundo estão prontos para Nova York.
Penso: "empurrar ao invés de puxar" - e empurro a maçaneta.
A porta se abriu e um frio polar foi soprado sobre a gente.
Olhei para Olivia que arregalou os olhos, divertida com o frio.
- Não foi por isso que viemos? - perguntei rindo.
Duas noites antes do Natal.
Dobramos à direita em direção ao Central Park.
De mãos dadas, naquela noite, andamos mais de dez quadras.
Quase em silêncio.
Não era preciso dizer nada.
Olivia e eu, de mãos dadas, quem diria.
Eu e minha filha em NY.
Seus olhos olhavam em volta e, vez ou outra, perguntava algo ou, como sempre faz, chamava a atenção para alguma coisa que eu não tinha percebido.
Uma roda de charrete. Um taxi amarelo. Uma limousine esticada. Uma árvore. Uma vitrina.
Olivia gosta de detalhes.
E de caminhar de mãos dadas.
Foi nessa noite que aprendi isso.
Não existe lugar no mundo como Nova York no Natal.
O frio, as vitrinas, a fumaça saindo dos bueiros, as luzes.
Passamos por um restaurante italiano todo iluminado.
Passamos por uma loja na Lexington com vitrinas inspiradas em Andy Warhol.
Contei a ela que quando eu tinha 18 anos, fiz meu próprio guia-NY-Andy-Warhol e vim para cá, conhecer cada lugar por onde ele havia trabalhado.
Mas ela não ligou para nada disso, porque estava entretida contanto quantos segundos levava para o farol com o homenzinho vermelho mudar para verde.
Chegamos na loja da Apple pouco depois da meia noite.
Precisávamos descansar e nos aquecer.
Olivia baixou o capuz e tirou o cachecol.
Nunca vi um sorriso tão lindo.
Olivia conheceu Nova York.
E eu conheci a Olivia.
Mission acomplished, como diriam esses americanos esquisitos.

90

Schopenhauer tem uma imagem interessante.
A idéia de que os jovens encaram a vida como crianças na frente de uma cortina de teatro.
Ansiosos, excitados com o espetáculo que está para começar.
Quando a vida passa, esse brilho de excitação desaparece.
As perdas, as doenças, os amores perdidos, as mortes, as decepções, as inseguranças, os fracassos, transformam esses espectadores em sujeitos tristes e vencidos.
Se pudessem saber as decepções que os esperam, não seriam tão felizes, os jovens.
Isso quem diz é Schopenhauer.
Só li o que ele escreveu, não me julgue.
Quem sou eu para concordar ou não.

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Domingo à noite fui a uma pizzaria com minha mulher e minhas filhas.
É um programa corriqueiro, quase medíocre.
Sentamos, pedimos a pizza, revemos o que aconteceu no final de semana, o que vai acontecer ao longo da semana, enfim, é só uma pizza.
Não é exatamente um momento onde a gente vibre de excitação, como você pode imaginar apesar de, sempre que estamos juntos, existe a satisfação desse convívio.
Na mesa do lado, estavam dois homens de trinta e poucos anos, com suas mulheres.
Os sujeitos conversavam e riam alto, como se aquele fosse um momento de grande alegria.
Fiquei olhando para eles tentando entender tanta felicidade.
Para eles, aquele parecia ser - sem razão aparente - um momento especial como...não pude deixar de pensar em Schopenhauer...o momento que antecede a abertura das cortinas de uma peça de teatro.
Como podem ser tão felizes numa pizzaria?

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Não sou um sujeito amargo.
Mas quando vejo gente dançando, bebendo, rindo, ou - principalmente - nestas semanas que antecedem o Carnaval e a televisão exibe esse pastelão de desfiles de escolas de samba, esses sambas todos iguais, essa gente pulando sem motivo, toda essa alegria com hora marcada, arrisco - pretenciosamente - compreender Schopenhauer.
Acho que ele não se referia aos jovens literalmente.
Na verdade, ele dividiu o mundo entre os que esperam uma comédia começar, excitados, festeiros, com suas caipirinhas em punho de um lado, e de outro os que já sabem que a peça é boa, é verdade, mas não é fácil de entender nem tem piadas fáceis.

24.1.07

89

Em Buenos Aires, toma-se muito vinho.
Não é o consumo metido, como o daqui.
Vinho, em Buenos Aires, é bebida simples, corriqueira.
É um prazer que acompanha uma refeição.
Você não precisa conhecer profundamente do assunto.
Nem fazer caras e bicos.
Não precisa pagar 500 dólares a garrafa.
Pensando bem, não precisa pagar 20 dólares a garrafa para apreciar um bom vinho.
Alias, a própria idéia de "apreciar um bom vinho" já traz em si uma certa empáfia, típica dos brasileiros que consomem vinho como símbolo de status.
Em Buenos Aires, vinho é coisa simples.
Em Buenos Aires, a frota de veículos é velha.
Melhorou muito na última década.
Mas ainda é antiga.
Carro, por lá, não é um símbolo de status, como é por aqui.
Lá não existem carros que custam o mesmo que uma casa.
E mesmo as casas, muito bem cuidadas por lá, custam muito menos que aqui.
Lá não existem esses nossos portões de garagem inflados, sabe quais são?
Esses que avançam sobre a calçada, para caber o carro do proprietário.
Um sujeito que coloca uma SUV num sobradinho de 70 metros quadrados.
Os argentinos riem disso quando vêm para cá.
Para eles, é incompreensível que o sujeito viva apertado, mas compre um carro que sequer cabe na garagem e depois tenha que modificar o portão apenas para acomodar seu ego.
Em Buenos Aires, não existe essa poluição visual inaceitável de out-doors, placas e cartazes em cada esquina.
Essa mesma poluição que o Kassab está tentando dar um basta, a despeito de toda a dificuldade imposta pela nossa medíocre e míope elitizinha publicitária que mais se preocupa com o próprio bolso do que com os outros 17 milhões de habitantes que são obrigados a conviver com esse lixo visual.
Em Buenos Aires a publicidade out-of-home é mais organizada e limitada a espaços menos invasivos do que por aqui.
Em Buenos Aires, cidade é para viver, casa é para morar, carro é para passear, e vinho é para beber, olha só que simples.
É uma vida mais frugal e mais lógica que a nossa.
E bem os argentinos, famosos por seu orgulho exagerado, nos dão um baile de simplicidade.
Porque será?
Arrisco uma teoria.
Somos um povo miscigenado demais, heterogêneo demais.
Um povo cujos sonhos sempre estiveram ligados à idéia de ascensão social.
Um povo cuja elite sempre foi exclusiva e não comprometida.
Subir da senzala para a casa grande sempre foi uma improbabilidade.
Essa herança deve estar em algum canto do nosso DNA cultural.
Esse desejo de se destacar da base da pirâmide a qualquer custo.
Assim, nossos símbolos de prosperidade estão em toda a parte.
Olha só o meu relógio.
Olha só o meu tenis.
Olha só o meu carro.
Olha só como eu entendo de vinho.
Olha só.
Na Argentina, ao contrário, essa história deles serem "um pedacinho da Europa", lhes provê uma segurança atávica, que lhes autoriza a não precisar provar nada para ninguém.
Um jeito de viver que os isenta da constante reafirmação de status.
Lá - na média, já que obviamente existem exceções - quem é mesmo chique, não ostenta.
Se orgulha de conseguir pagar pouco numa liquidação.
Aqui, neguinho compra calça Diesel falsificada na 25 de março e diz que pagou uma fortuna no shopping.
Olha só.
Talvez por isso, por serem tão seguros de si e orgulhosos de sua condição, os argentinos não admitam que sejamos nós, "los monitos", tão evidentemente superiores no futebol.
E que Pelé seja infinitamente melhor que Maradona.
Ora, por favor.
(eu sei que essa superioridade não muda nada na prática, mas por dever cívico eu não iria terminar um texto botando os argentinos lá em cima.)

17.1.07

88

É triste viver num país onde o salário é baixo e o custo é alto.
Mas nada me chama mais a atenção do que os custos de automóveis importados.
É nessa hora que fica estampada a nossa condição de republiqueta.
Veja: o mesmo modelo Toyota que aqui custa 70 mil dólares, custa 40 mil em Buenos Aires, e pouco mais de 25 mil nos Estados Unidos, onde as condições de pagamento e os salários são infinitamente melhores que os nossos.
Sempre achei - ao contrário da dona da Daslu - que devem se cobrados impostos sobre artigos supérfluos. Enquanto existam brasileiros sem comida, saúde e educação, os brasileiros que tomam whisky importado, fumam charutos cubanos e desfilam com seus carros importados, devem realmente ser sobre-taxados.
Mas convenhamos: a bandalheira é tão grande, que estes quase 200% de incremento no preço de um veículo importado, jamais cumpre sua função social.
Pelo contrário, acaba utilizado de maneira absolutamente imoral, em última análise, para subsidiar - por exemplo - o aumento de nossos nobres deputados.
Além disso, estes impostos abusivos remontam ao milagre econômico, resquício do governo militar, num ato primário de proteção da indústria nacional, que continua a nos impor veículos cuja tecnologia está obsoleta em qualquer parte do mundo.
O resumo é esse: carros importados custam caro por causa dos impostos.
Os impostos são mal utilizados.
Carros nacionais estão sucateados, enquanto lá fora a mais moderna tecnologia - inacessível para nós - está cada vez mais disponível.
Não tem lado bom.
Nem solução no curto prazo.

10.1.07

87

Preciso confessar uma coisa.
Um problema que tenho faz tempo.
É que eu adoro os produtos da Apple.
Eles lançam de lá, eu compro de cá.
Só iPods, tenho 6.
Dois videos, 3 nanos e um primeira geração, tipo relíquia.
Também tenho um Color Classic original, rodando Photoshop 1.0
Um iMac, um MacBook Pro, um MacBook.
Até um Newton eu tenho!
Dei um iMac velho para o meu pai.
E assim vai.
Pois bem, há anos venho desenvolvendo esta compulsão pelos produtos da Apple.
Agora eles lançaram o iPhone.
Só estará disponível em junho e mesmo assim, só nos Estados Unidos.
E agora?

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No canal GNT, está na moda a palavra "iconoclasta". Vira e mexe vem alguém e fala. Outra dia, um sujeito disse que o japonês é um povo que preza muito a linguagem gráfica e visual, por isso, os japoneses seriam "iconoclastas". Dá para imaginar de onde vem o mal entendido. O entrevistado deve pensar que iconoclasta vem de ícone + "clasta", que lembra "casta", sei lá. A casta do ícones, deve pensar. Então vamos combinar que iconoclasta é exatamente o sujeito que condena o culto de imagens. Ou seja, se os japoneses são ou não iconoclastas, definitivamente não se deve ao seu amor pelos ícones.

1.1.07

86

Acabo de voltar de Nova Iorque.
Não sou marinheiro de primeira viagem.
Nos últimos 20 anos fui dezenas de vezes para NY.
Foi a grande cidade dos anos 80.
Fiquei lá desde períodos de poucos dias até várias semanas. No west side, no east side e no soho.
Posso não ser uma Katia Zero, mas não sou iniciante.
E posso dizer sem medo de errar: NY, a cidade que já foi a mais interessante do mundo, está decadente.
A razão é simples. O caldo cultural que transformou a cidade numa espécie de porto-livre do planeta, onde todas as culturas se encontravam por períodos curtos, mas onde nenhuma era hegemônica, se dissipou e NY se transformou na maior cidade latina do mundo.
Note que o fato de serem os latinos que tomaram posse não é a causa do problema.
É só um sintoma.
Não sou preconceituoso com nossa própria raça.
Diria o mesmo se fossem americanos ou dinamarqueses.
Ocorre que quando uma única etnia domina a cidade, o charme principal desaparece.
NY se transformou numa cidade entupida de turistas, que vão lá para ver o que restou da NY do final do século passado.
E a mão de obra latina é mais barata para servir a esta multidão.
Na prática, não tem nada de realmente revolucionário na NY de hoje.
E para ajudar a piorar o quadro, a globalização e a blogosfera, torna tudo menos novidade, tudo é mais comum do que era há 15 anos.
A multidão, por sua vez, é tratada como tal: como multidão. Ninguém é especial.
Um jantar, por exemplo: saia do hotel, pegue o taxi, desça do taxi, escolha uma das milhões de escolhas do cardápio feitas para criar a ilusão de que existe uma opção criada exatamente para você. Mas não se engane. Não existe. Na verdade, a miriade de opções só servem para evitar que você queira algo específico, algo exclusivo.
Em NY, ninguém mais é exclusivo.
Ninguém merece tratamento diferenciado.
A fila, militarmente organizada, para ver as vitrinas das lojas importantes é mais um sintoma grave.
Olhe and step asside, para deixar o próximo olhar.
A NY de Woody Allen, de Frank Capra, de Tommy Dorsey, de Bing Crosby está por ali, como numa vitrina a céu aberto.
Mas é só para olhar.
Se tocar, vira Cidade do México na hora.

17.12.06

85

Mais sobre o Second Life, se me permitem.

Em tempos de long tail e bubble 2.0, não tem hype que sobreviva ao seu e ao meu cansaço.
Começo, inclusive, a desconfiar que será arrastando nosso tédio de uma bolha, ou melhor de uma "novidade" pra outra que vamos viver.
Sai Orkut, entra Second Life, sai SL, entra WoW, sai todo mundo, entra MySpace, sai MySpace, entra metaverse.
Semana passada ou retrasada, o Estadão publicou um estudo que afirma que entre 18 e 54 anos, neguinho já assiste mais a media digital do que as análogas. Duas horas mais, na média.
Fica ele lá, pulando da web pro e-mail, pro podcast, videocast, webcast.
E nós correndo atrás.
O Nielsen garante que nos últimos 4 anos, o tempo médio diante da telinha caiu 1 hora. Das 7.4 que mamãe gastava por semana, agora são só 6.3.
Nielsen knows better.
Se estão em blogs, mandando sms, no second life ou em sites de sacanagem, não tenho nenhuma pesquisa. No Second Life são quase 2 milhões. 90 mil no Brasil. Não é um número grande e suspeito que esteja inflado.
O treco é chato, lento e tem resolução duvidosa.
Dizem os meninos que WoW rocks.
Mas não dá pra por a Lever lá dentro, convenhamos. RPG não precisa de OMO.
Por isso SL é melhorzinho.
Não é uma revolução, mas gera buzz.
Daqui uma semana acaba.
Ou um ano. Whatever.
A concessionária Volkswagen que a gente montou, por um custinho assim ó, em 4 dias foi para a Folha, para O Globo, para o Jornal da Record. Sem falar nos blogs e sites de notícia publicitária.
Que paradoxo, afinal: sujeito foge do jornal e vai pra net, a gente vai pra net pra virar notícia de jornal.

14.12.06

84

Pessoalmente, acho o Second Life chato. A resolução não é lá essas coisas, nossa banda não é larga como deveria, vira e mexe sai do ar. O orkut também é um saco. Tanta gente desinteressante que quase nunca entro lá. O MySpace eu já enjoei...um monte de músicas que ninguém conhece. E-Mail eu não suporto receber. São pilhas e pilhas por dia. Joguei o blackberry pela janela no meio da Marginal. Também me enche o saco receber ligações no celular quando quero ficar em paz. Nunca assisto filmes na TV à cabo em canais que colocam comerciais no meio. A terceira temporada do Lost é sofrível.
Agora calma.
O Michel Lent é um dos caras que mais entendem dessa história de internet que eu conheço.
Hoje ele disse no Blue Bus que está cansado do Second Life.
Se ele está cansado de Second Life, isso me preocupa.
Mas o que me preocupa mais é que enquanto tiver consumidor no Second Life, no Orkut, no MySpace, no Celular, na TV e no Lost, eu tenho que aguentar, gostando ou não.
Vai Michel! Vai pro Second Life e não reclama! :)

7.12.06

83

O pessoal que ia colocar nariz de palhaço na eleição, agora decidiu colocar nariz de palhaço nos aeroportos. Peculiar essa maneira de protestar.
Ao invés de reivindicar, de bater panelas e fazer de passeatas a guerra civil, apenas colocam um nariz de palhaço, atestando o que todo mundo já sabe.
Esse tipo de protesto está perfeitamente alinhado com a maneira com que tratamos os escândalos por aqui: rindo.
Com humor que serve para alertar, para abrir os olhos mas que, infelizmente, é ineficaz para o estado de coisas a que chegamos.
Já falei aqui que todo escândalo ganha imediatamente um apelido ridículo, o que reduz sua importância logo de saída.
Tem que colocar nariz de palhaço quem batiza de "Apagão", "Sanguessuga" e "Mensalão" o festival de incompetência que se apoderou de Brasília nos últimos 15 anos.
Surpreende que a crise dos controladores ainda não tenha ganhado seu apelido.
Proponho "Radarzão" ou "Aviãozaço".
Já posso ver as manchetes: "O Aviãozaço continua até a Páscoa".
O Latino tem que fazer uma música.
Uma escola de samba vai contar a história e estamos prontos para outra.
Estamos afogados num país com crescimento pífio, um dos maiores impostos do planeta, um dos mais altos custos-corrupção do mundo.
Uma hora falta luz. E depois nos é imposto o prejuízo das operadoras.
Outra hora faltam aviões. E não me surpreenderá se em breve algum pateta de Brasília criar um imposto para repor os prejuízos das companhias aéreas.
Falta saúde (lembra para que foi criada a CPMF?).
Falta emprego, falta vergonha.
Não é culpa do PT, ou do PSDB.
A culpa é nossa.
Minha e sua, que deixamos a situação chegar a este extremo.
Estou indignado.
Mas não sou palhaço.
Nariz eu não ponho.

.

A propósito, tem gente falando em boicotar o filme Turistas.
Boicotar porque?
Eu não vou ver porque não gosto desse tipo de filme.
Cinema verdade.
Não me refiro ao boa noite cinderela, que é obviamente uma lenda urbana.
Querem boicotar porque estão revestidos desse nacionalismo galvão-buênico inútil.
O mundo civilizado é que deveria boicotar um país-de-terror, que espanta (espanca?) turistas com um amontoado de notícias que fazem qualquer cidadão de bom-senso evitar este hemisfério inteiro.
Controladores de vôo em greve?
Arrastões?
Prostituição infantil?
Ora por favor.
"Turistas", no Brasil, devia passar no Cartoon Network.

23.11.06

82

Desperdicei a última meia hora assistindo ao seriado American Next Top Model.
Tentei dar uma chance.
Me esforcei.
Mas, meu deus, se espremer, não sai nada.
Nem um único e solitário insight.
Não conseguiu superar minhas medíocres expectativas.
Não entendo nada do mundinho, mas mesmo assim, acho que essas 12 garotas, o seriado, o mundo da moda como um todo, foi longe demais.
(Não consigo deixar de pensar nas duas infelizes que morreram de anorexia na semana passada. Porque morreram? Por qual causa lutavam?)
Quando vejo essas mulheres cercadas da entourage que corta seus cabelos e as maquiam e discutem com elas seus assuntos irrelevantes, não consigo evitar o desprezo.
Para que tudo isso?
Não entendo nem bem o que elas querem.
Impressionar a quem?
Como é que alguém pode achar que existe alguma relevância em caminhar 20 metros como cabide de uma roupa que ninguém vai usar de verdade?
E veja, sou publicitário.
Futilidade é meu sobre-nome.
Estou familiarizado com a irrelevância.
Mas nem as reuniões mais fúteis, nem as discussões mais banais se comparam a idiotice de se discutir por 12 minutos qual o melhor lápis para os olhos, ou qual a "composição" de roupa e maquiagem que mais se adequa ao seu "estilo pessoal".
Estou acostumado a passar horas e horas discutindo assuntos sem importância, apenas porque alguém acha que assim vai influenciar a venda de mais meia dúzia de sandálias.
Não vai.
Assim como essas meninas, essas modelos (modelos de que?), não vão fazer nada além de desaparecer na história.
Sem nenhuma importância.
O futuro vai rir delas como nós rimos das Miss Isso, Miss Aquilo dos anos setenta.

8.11.06

81

The Long Share

Li e reli os livros da moda.
Tipping Point, Long Tail, The Perfect Thing.
A epidemia, os nichos, o iPod.
Tem uma coisa em comum aos três.
Não é a internet.
É o sharing.
Sharing é uma palavra difícil de traduzir.
Pode ser dividir, compartir, compartilhar.
Mas não é exatamente nenhuma delas.
Dividir não é, porque 2 músicas divididas por 2 pessoas dá 1 música para cada.
E quando alguém share 2 músicas, as 2 pessoas acabam com 2 músicas.
Compartilhar tem uma idéia de simultaneidade que não existe em "sharing"
Compartir lembra dividir que, de novo, não representa o espirito de sociabilizar de share.
Me ocorreu que sharing é o grande benefício da internet à nossa cultura.
E nós não temos muito claro como lidar com isso ainda.
Então criam-se teorias e escrevem-se livros.
Para tentar resolver os problemas que surgem, aparecem também os pretensos controles, vem o Congresso querendo regulamentar, vem a indústria com seu DRM e com a ilusão de que ainda existe espaço para copyright.
Não existe.
A briga para manter o status quo já foi perdida.
O sharing jogou por terra a idéia de direito autoral.
E põe em cheque todo o arcabouço do direito atual.
Tão maravilhoso para nós, que tivemos a sorte de viver neste período histórico quanto terrível para a indústria que teve seus alicerces atingidos, mas que insiste em não acusar o golpe.
O que era copyright agora é o direito de copiar.
Sharing, peer to peer, é uma idéia absolutamente devastadora.
Qualquer obra, texto, música, filme, software, inteligência que possa ser transformada em bytes está ameaçada de tornar-se epidêmica.
E seu autor de não ver um único tostão de seu sucesso.
Os produtos físicos estão protegidos?
Que nada.
Nesse new-shared-world nada é secreto.
Nem a fórmula do sabão em pó, nem o design do novo modelo da Volks.
Share the wealth, distribua sua riqueza, numa livre tradução, é como os sites do underground chamam os fóruns de distribuição de software pirata.
"Distribua a riqueza".
A idéia de que você tem e pode dar para o próximo sem perder o que é seu.
Amanhã a recíproca será verdadeira. Ou não. Whatever.
O assustador é que, no contexto da internet, Share The Wealth é igual a share.
Você sempre e só share the wealth.
Alguém tem, você não.
Segundos depois, vocês dois têm.
Está distribuída a riqueza.
Next.
Com a música e agora filmes, só não percebe quem não quer, está acontecendo uma 'Reforma Agraria' global.
Num único depositário, a Internet, está toda a produção musical do planeta.
Que passo a passo está sendo transferida de um usuário para outro.
De um iPod para outro.
Lentamente.
Em teoria, o peer-to-peer potencialmente dá a todos, o direito de ter todas as músicas já produzidas.
Os limites desse mega-share-the-wealth não são os legais.
São apenas sua banda e seu espaço em disco, que no futuro próximo não representarão mais limitação alguma.
Ah. E sua ética, é claro.
Mas historicamente, sempre que dependeu da ética, o homem desapontou o homem.

1.11.06

80

Os controladores de vôo estão em greve.
Ouvi alguém dizendo que tinha medo de voar.
Acho que, pelo contrário, agora é o momento mais seguro para se voar.
A chamada "operação padrão" é na verdade a volta dos controladores de vôo àquelas condições ideais que nunca deveríamos ter permitido que fosse perdidas.
Um representante do sindicato explicou melhor: durante a operação padrão, cada controlador de vôo tem sob sua tutela 4 aeronaves. Fora da operação padrão chegam a controlar 8 aviões. Nas aerovias, estão controlando 14, quando em condições "normais" chegam a 19.
Ou seja, menos vôos para cada operador. Menos riscos para o passageiro.
Seguramente eles voltarão - pela pressão das companhias aéreas a trabalhar sob muito maior stress.
O governo, ciente do problema, abriu vagas para novos controladores. Ocorre que trata-se de uma profissão extremamente complexa, onde a formação leva quase dois anos.
Preocupe-se, então, quando a greve acabar.
Enquanto isso, se você quiser brincar de controlardor, experimente:
http://www.atc-sim.com/

27.10.06

79

A história é conhecida, mas vale como introdução: em meados da década de 80, um sujeito chamado David Gunn assumiu a direção do sistema metroviário de Nova York. Sua primeira atitude foi acabar com as pichações nos trens.
Muita gente foi contrária à atitude de Gunn, argumentando que existiam problemas mais sérios, outras prioridades e que as pichações não eram um problema relevante.
Mas Gunn insistiu que as pichações eram o símbolo do colapso do sistema de metrôs.
Assim, colocou estações de limpeza no fim de cada linha e, se o trem chegasse pichado, só poderia seguir depois que a pichação fosse removida ou o vagão pintado.
Não foi um trabalho simples.
Durou de 1984 até 1990.
Foi então que Willian Bratton assumiu a Transity Authority e decidiu acabar com os saltadores de catraca.
Assim como as pichações, os saltadores de catraca eram outro exemplo de como o sistema metroviário estava abandonado.
A polícia nem se dignava a persegui-los.
Saltadores de catraca, segundo Bratton, representam o "crime original" e, em última análise, estimulam os crimes mais graves pois transmitem ao cidadão comum a sensação de que não existe lei.
Afinal, Nova York havia se habituado com as pequenas contravenções.
As estratégias de Gunn e Bratton, combinadas, deram resultado e quase 10 anos depois o metrô havia se transformado num lugar seguro, sem pichações nem saltadores de catraca e com os índices de violência drasticamente reduzidos.
Foi quando Rudolph Giuliani assumiu a prefeitura e implantou a tolerância zero, que veio fazer com que Nova York se transformasse numa das cidades com menor índice de violência dos Estados Unidos.
Esse é um exemplo clássico de como uma idéia simples pode contaminar toda a cidade.
Não tenho procuração para defender o prefeito Gilberto Kassab.
Pelo contrário, frente à nossa história política recente, tenho um milhão de motivos para estar com o pé atrás.
Mas o fato é que alguma coisa está acontecendo.
Primeiro foi a mídia exterior.
Agora são os postes e a fiação.
Numa nota sem muito destaque, a Folha de São Paulo de 27 de outubro informou que o prefeito regulamentou a lei que disciplina o enterramento de cabos e fios.
As concessionárias terão que enterrar 250 km lineares de cabos por ano. O decreto deixa claro que as concessionárias devem reparar os danos causados e árvores serão plantadas onde estavam os postes.
Não é um projeto simples.
Vai custar mais de R$ 250 bilhões e vai levar 24 anos.
Mas é um começo.
Talvez essas atitudes tenham o mesmo efeito das pichações nos metrôs de Nova York e, para cada árvore que substituir um poste, para cada cartaz irregular retirado, um ato de violência a menos ocorra na cidade.

24.10.06

78

Acabo de conhecer o senhor Raimundo.
Apareceu no Jornal Nacional.
Cargo: afugentador de urubus na base aérea de Paraná-mirim.
É o retrato do Brasil.
Da pista decolam caças velhos, sucateados, mas que estão lá para dar a impressão de que somos um país moderno e protegido.
Na cabeceria está um nordestino tacanho, munido de seu estilengue, que revela a verdade do país.
Raimundo informa orgulhoso que faz esta função desde criança.
Assusta urubus.
É uma metafora da nossa sociedade.
Da São Paulo com seus carros importados, fingindo ser primeiro mundo.
Cercado de nordestinos, mineiros, cariocas, goianos, todos com seus estilingues em punho.

20.10.06

77

Fiquei sabendo hoje que numa pesquisa recente do Einstein, com crianças entre 10 e 12 anos de todas as classes sociais, 48% já haviam experimentado álcool, 17% cigarros e o mais espantoso: 12% já haviam tentado "outras drogas".
Sabe lá o que é isso?
Uma em cada 10 crianças de 10 anos experimentando "outras drogas"!
Neste mesmo estudo, outros dados alarmantes aparecem. A idéia de que o consumo de drogas começa em casa, com cola, com fluído de isqueiro. Ou mesmo o fato de que adolescentes dependentes são mais frequentes nas famílias cujos pais fumam, fazem a gente pensar que o cuidado deve começar muito antes dos 10 anos de idade e não tem muito a ver com razões emocionais ou genéticas.
Uma das coisas que fica clara no estudo é que as crianças devem ser ensinadas desde pequenas a encarar remédios como uma exceção. Ou seja, remédios devem ser guardados em armários e devem ser usados apenas quando estritamente necessários.
Nessa hora não pude deixar de pensar na quantidade de remédio que tenho em casa. Espalhado em todo lugar. Para dor de cabeça, para dor nas costas, para tudo hoje existe um remedinho.
E quando faço meu check-up, de seis em seis meses, ainda pior. São outros tantos receitados.
A indústria médica, o business da medicina nunca receitou como hoje em dia, arrisco dizer. É comum, para qualquer mal, você sair com um receituário para 3 ou 4 remédios diferentes e ainda uma sugestão de seu médico para visitar um endocrinologista, ou um dermatologista para ver essa manchinha e toca mais remédio.
A mesma medicina que descobre que os remédios devem ser contidos é a medicina que nos estimula a consumir em excesso.

9.10.06

76

Minha geração, essa dos quarenta e poucos, não deu praticamente nada ao mundo.
Somos muito jovens para os hippies e velhos demais para os punks.
Ok.
Ninguém nos tira o The Police, é verdade.
Muito pouco, convenhamos.
O mais perto que chegamos de um movimento cultural memorável foi com os Yuppies, pobre de nós.
Este final de semana, no entanto, assisti ao documentário Dogtown and the Z-Boys, dirigido por Stacy Peralta e não pude deixar de me encher de orgulho.
Afinal, descobri que nossa geração fez algo mais de memorável: críamos o esporte radical.
Ou ao menos sua versão sobre quatro rodinhas.
Dogtown é o fim ou o começo da Route 66. Um lugar inóspito, cercado de bairros ricos de Los Angeles, cuja geografia dos dutos de água, das piscinas semi-esféricas, da proximidade com o mar somados a uma seca histórica, possibilitaram que o skate, um brinquedo da década de cinquenta ressurgisse no início da década de 70 com força total.
Z-Boys eram os garotos patrocinados pela Zephyr, uma surf shop local. Entre eles estavam Jay Adams, Tony Alva e o próprio Stacy Peralta.
Os três reinventaram o esporte. Jay redefiniu o street. Alva praticamente inventou o vertical e os aerials.
Dos três, Jay era o mais talentoso. Hoje cumpre pena no Havai por envolvimento com drogas. Alva tem sua marca de skate e Peralta dirige documentários.
Este é especialmente comovente.
Tem narração de Sean Penn e mostra com cenas reais o que o filme Lords of Dogtown romantizou.
Tem que ser visto.

2.10.06

75

Um país que elege:

Clodovil
Paulo Maluf
Frank Aguiar
Enéas
Collor
José Genoino
Sandro Mabel
João Paulo Cunha
Valdemar Costa Neto

Merece ter Lula presidente.
Merece pagar um dos maiores impostos do mundo e não receber serviço nenhum em troca.
Merece ter máfia de ambulância, ter mensaleiro e todo tipo de ladrão de terno e gravata.
Merece que roubem até nosso último centavo.

Não aprendemos nada.

Não temos o direito de ser uma democracia.
Somos um país de maioria ignorante.
Enquanto não houver educação mínima ou voto qualificado, desconfio que seja melhor ter um déspota esclarecido, cuidando de nossos interesses.
É melhor do que entregar a um povo que não sabe escolher, o direito ao voto.

Prefiro um ditador esclarecido a um ignorante ladrão.

74

Acabo de saber que haverá segundo turno.
Não imaginava, sinceramente.
Junto com a pontinha de esperança, veio a decepção de saber que os dois deputados mais votados em São Paulo são Paulo Maluf e Clodovil.
Eta povinho burro.
Collor também ganhou para o senado.
Não se iluda.
O futuro é negro.
Lula tem 49% dos votos.
Só precisa de 2 pontos para se reeleger.
Ou seja, mesmo com todos os votos de Heloisa Helena e todos os votos de Cristovam Buarque, ainda assim é difícil ganhar de Lula.
O PSDB vai precisar de algo mais.
Vai precisar de mais escândalos.
Vai precisar de mais barulho.
Vai precisar tirar votos de Lula.
Caso contrário teremos Lula presidente, Maluf deputado e Collor senador.
Estamos bem arranjados.

25.9.06

73

Tem gente que vai votar com nariz de palhaço no próximo domingo.
Eu não vou.
Não vou porque não sou palhaço.
Vou votar nulo.
Vou votar nulo porque o Lula dirige o país como se fosse um sindicato, a base de falcatruas.
Me enganou.
Nos enganou.
Mas foi desmascarado.
Isso não faz de mim um palhaço.
O Alckimin não tem personalidade para representar uma nação.
A Heloisa Helena é uma radical superada.
O Cristovam Buarque é um idealista teórico.
Vou votar nulo porque não existem candidatos decentes.
E isso não faz de mim um palhaço.
Mas nesse país, tudo vira circo.
Então para protestar, tem gente que prefere se vestir de palhaço.

19.9.06

72

80% da população não sabe ler.
Dos 20% restantes, boa parte não sabe o que quer dizer dossier.
Não entende as piadinhas com o nome "Freud".
Sabem o que quer dizer mensalão, mas não entendem quem pagou o que para quem.
Sanguessuga para boa parte da população é bicho, não tem nada a ver com política.
Sanguessuga, mensalão, cuecão.
Temos uma ridícula tendência de "infamizar" nossos escândalos.
Esse humor, que nos caracteriza como os panelaços caracterizam os argentinos, nos faz mal.
Nosso inculto povo está cada vez menos preparado para o humor cínico de nossa imprensa.
Sempre sonhamos com um tempo em que as pataquadas políticas não contaminassem a economia.
Vivemos essa época.
Os princípios econômicos estão lá, firmes e fortes enquanto a política rui em volta.
O que não esperávamos é que na esteira desta blindagem da economia, viria também uma blindagem eleitoral.
Ora, se os escândalos não interferem na economia, porque deveriam interferir nas eleições?
E assim ficamos.
Bem economicamente.*
Cercados de escândalos por todos os lados.
Escândalos catalogados pela imprensa com amarga ironia.
Escândalos devidamente ignorados pela população.
É ou não é o país do futuro?

* aqui vale uma nota, anote aí: apesar dos indicadores como dólar e inflação estarem positivos, em não mais do que dois anos, ou seja no meio do segundo mandado do governo Lula, vamos assistir a uma debandada de empresas estrangeiras do Brasil. Recentemente, conversando com um executivo de um grupo sueco, fui informado que o custo-corrupção do governo atual faz com que seja mais barato trazer produtos da Europa do que produzir aqui. Europa. Sim, você leu corretamente. Não é China, não. É Europa.

6.9.06

71

Li o texto do Jabor nas páginas amarelas da Veja.
Li o texto do Paulo Betti na Folha de segunda.
Existem dois movimentos.
Duas forças em contraposição nessa eleição.
Uma de decepção, de quem sempre foi esquerda mas que não pode aceitar o que fez o PT.
Outra de quem acha que nada é tão grave que abale a ideologia. Tudo por um ideal esquerdista.
Não chega a ser um braço de ferro, porque a batalha não se dará nas urnas.
A batalha das urnas já está decidida por um povo ignorante que sequer entendeu que existe batalha.
O povo seduzido pelo assistencialismo e pelo populismo já decidiu seu voto.
Pobre PSDB imaginava que quando a propaganda começasse na TV, Alkimin teria melhor sorte.
Que ingenuidade. Lula na TV é imbatível.
Cresceu ainda mais. Vai levar no primeiro turno e com folga.
De qualquer forma, a batalha ganha nas urnas, apresenta resultado inverso na mídia.
Nos jornais e revistas, quem ganha de lavada é o brasileiro decepcionado, ultrajado e honesto.
O que não põe a mão em porcaria.
Mas a maioria votante não lê.
Então sobra pouco a fazer.
Assim somos nós. Um país na imprensa e outro nas urnas.

11.8.06

70

Americanos chamam o país deles de U.S.
Engraçado que U.S. também pode ser "us".
Subconcientemente isso deve ter algum efeito na auto-estima de uma nação.
Deve reforçar ainda mais seu sprit des corps.
Como seria se chamássemos o Brasil de NÓS?
A dívida de NÓS. O presidente de NÓS. Os políticos de NÓS.
Deve fazer diferença.
Vai ver que é por isso que aparecem sujeitos como um tal de Mike Einhorn por lá.
Einhorn é um operador de fundos Hedge.
Tem 37 anos, e já conquistou seu primeiro milhão de dólares faz algum tempo.
Jogador de bridge, tem pouca ou quase nenhuma experiência em poker.
No último final de semana, ficou em 18º lugar no Campeonato Americano de Poker.
Levou 659 mil dólares.
Levou é maneira de dizer.
Mike doou a totalidade do prêmio para a Michael J Fox Foundation.
Não vou aqui defender o bélico e imperialista U.S. of A.
Dos Bush, dos rednecks.
Mas em nome do "us", tem um lado do U.S. que a gente não consegue entender.
Nossa elite conhece bem o Soho.
Mas desse "us", não fazem a menor idéia.
Não percebem como seria legal se fossemos um Nós.
Fala-se de nossos políticos, de como são corruptos, de como nos roubam.
Mas quase não se fala dos dinheiros da classe média e alta que paga por essa corrupção.
Fala-se tanto dos corruptos e tão pouco dos corruptores.
Essa semana pegaram a dentista que adulterou a placa para não pagar multas.
Taí nossa elitizinha.
Que falsifica.
Que compra políticos e polícia.
Que corrompe.
Que constrói as Daslus e ajuda no varejo com assistencialismo de fachada, mas que contrabandeia milhões no atacado.
Que acha que pagar impostos é injusto.
Que sempre consegue um jeito de escapar da tributação, ou das multas
para ser especial.
A elitizinha de gel no cabelo para cobrir a cabeça oca.
Que depois fala mal dos políticos nos jantares.
Que lamenta ter que blindar seus carros.
Que não pode sequer parar no faról.
Uma pena.
Seremos sempre divididos ao meio.
De um lado o Brasil da elite que tem seu próprio Nós.
De outro o resto do Brasil que é o Eles.

21.7.06

69

Talvez alguém por aí não conheça o significado de Catch 22.
Catch 22 é a cilada burocrática que impedia os pilotos de caças americanos da segunda guerra de pedir baixa.
Funcionava mais ou menos assim: só um piloto louco deveria parar de voar.
E só um piloto são pede para parar de voar.
Assim, como um piloto que pede para parar de voar não pode estar louco, então não pode parar de voar, percebe a lógica?
Catch 22 virou filme, traduzido por aqui como "Ardil" 22.
Depois de ver o resultado de Cannes deste ano, lembrei do roteiro de Buck Henry.
Não exija profunda pertinência em minha analogia.
Foi apenas uma dessas livre-associações que um dia terão explicação melhor, num divã ou um numa mesa de bar.
O fato é que não ganhávamos prêmios suficientes para alimentar nossos famintos egos, então fazíamos peças fantasmas. Agora, nem nossas peças fantasmas são premiadas.
E os fantasmas que ganham, nos antecipamos em retirar por "questões éticas".
Enquanto isso, o mundo continua se auto-premiando, com suas peças dignas, pertinentes e legitimas.
A verdade é nua e crua, só que como também é gorda e peluda, temos medo de encará-la de frente.
E sempre que se tem medo de bater de frente, surge essa sugestão:
"Vamos sentar e discutir melhor esse assunto."
Discutir exatamente o que?
Que somos um país pobre? Que nossas maiores contas são de varejo? Que nossa TV está virando um tablóide eletrônico? Que nosso povo é 80% analfabeto? Que, exatamente por isso, o que críamos deve ser rasteiro e óbvio? Que nossas emissoras não permitem inovações de formato? Que a globalização nos impôs conceitos globais que não dialogam com nossa cultura?
Depois do vareio que tomamos da França, ainda tem gente que acha nossa seleção a melhor do mundo.
Propõe-se também uma ampla discussão.
E para que?
Já sabemos a conclusão: "somos uma seleção brilhante que não sabe jogar em conjunto"
Na discussão sobre o fiasco em Cannes, já sabemos a conclusão: "somos brilhantes criativos, só não estamos conectados aos prêmios".
O que nos mata é essa nossa Galvão-Buenisse.
Somos uma geração derrotada.
Em Cannes e na Copa.
Durma-se com um barulho desses.
E não é com conversa que se resolve o problema.
Alias, acho mais fácil resolver o problema do futebol do que o de Cannes.
No futebol, um pouco de vergonha na cara resolve.
Na propaganda, não falta vergonha e estou seguro que o esforço foi grande.
Por isso mesmo não vai ser fácil sair dessa.
A solução, ao contrário do futebol, não será de dentro pra fora.
O mundo está fascinado com sua própria inteligência.
E nós não estamos incluídos.
Prêmios em propaganda estão se transformando num luxo.
Um luxo a que tem direito os países que têm não apenas bons criativos, mas também um mercado estável, uma indústria consumidores preparados para mensagens cada vez mais elaboradas.
E nós só temos os bons criativos.

4.7.06

68

– "Como é que tá lá?"
O sujeito cujo nome não lembro me cumprimentou com a tradicional expressão que no léxico corporativo é o equivalente-politicamente-correto para algo como "E aí? Ferrou?".
Respondi com a única resposta aceitável na ética dos encontros rápidos:
– "Tudo bem, e lá?"
– "Levando." – concluiu meu anônimo conhecido.
E assim nos despedimos.
Ele certo de que não há nada de novo cá.
E eu certo de que não há nada de novo por lá.
O que não deixa de ser uma boa notícia, pelo menos para os americanos que consagraram o no news is good news.
O fato é que, em ano de Copa do Mundo, eleição e feriados em profusão, estamos todos na expectativa.
Todos temem que, além da desclassificação, vacas magras venham aí.
Como afirmou Schopenhauer ou Luana Piovani: “a convicção é a maior inimiga da verdade”.
Então, antes de me convencer de minhas próprias conclusões, fui pesquisar as tendências.
Ao que parece, o mundo lá fora (que não inclui o Brasil, obviamente) evoluiu.
Na crise, ao invés de demitir, preferem aumentar a demanda.
E trago provas.
Em uma pesquisa realizada por uma grande agência de propaganda, entre seus principais clientes no mundo, mais de 60% optaram por estratégias de geração de demanda ao invés de redução de custos (um eufemismo para cortes de pessoal).
Chegou também às minhas mãos um estudo da McKinsey realizado em 1.200 empresas em todo o mundo.
Segundo esse estudo, a cada ponto percentual de acréscimo de volume de vendas, o lucro cresce 3,7%.
Em contrapartida, se esse mesmo ponto percentual for utilizado para "cortar custos", o lucro cresce apenas 2,7%.
Em português claro: vender mais dá mais lucro do que mandar gente embora.
O documento garante ainda que, se o tal ponto percentual for utilizado para subir o preço do produto, na média dessas 1.200 empresas, o resultado será um acréscimo de lucro da ordem de 11%.
Enfim, o importante é que, at the end of the day, como diria boa parte de meus companheiros de trabalho, aumentar o preço ou correr atrás de clientes é muito mais lucrativo do que cortar pessoal.
Que coisa mais antiquada!
A gente aqui achando que "menos é mais" e o mundo civilizado correndo atrás de consumidores.
Não sei se isso vai valer por aqui.
Afinal, mandar gente embora é muito mais fácil.
Só é preciso uma planilha de Excel.
Já para conquistar mercados, a gente tem que trabalhar.
Boa parte do mundo já entendeu este recado.
Demitir não é a solução.
A solução é vender mais.
Nós, parreiristicamente, insistimos.
O fato é que nos demos muito mal na Copa, tentando jogar nosso futebol.
Não fomos lá muito bem em Cannes, tentando fazer nossa propaganda.
Que tal se na hora de cortar pessoal a gente der uma de macaquitos só para variar e imitar o resto do planeta?
Só para variar.

67

A urna eletrônica pode parecer um grande avanço.
Coisa de primeiro mundo.
Mas não é.
É só a pasteurização, a binariarização do seu direito de expressar-se.
Na urna eletrônica, a infinidade de possibilidades, resumem-se às disponíveis.
Só se pode votar em quem é candidato. Ou votar nulo.
E isso não é democrático.
Afinal, o voto é uma mensagem.
É aceitável que se tenha o direito de votar em quem se queira.
Não quero soar antiquado, nem retrógrado.
Não estou sugerindo voltar ao papel.
Mas as urnas deveriam fornecer um campo aberto além da multipla escolha numérica.
O eleitor deveria poder optar por preencher este campo votando em quem quisesse.
Eu, por exemplo, votaria no Serra para presidente, mesmo que ele não fosse candidato.
Seria meu silencioso recado ao PSDB.
Acho que tenho esse direito.
Sem essa opção, perde-se muito de nosso direito e de nossa criatividade.
Aquele jacaré do Tiête, nunca mais terá chance de se eleger deputado, coitado.

1.7.06

66

Equilibrar a bola na nuca.
Virar cambalhota com a bola presa no joelho.
Passar o pé, pedalar, rebolar.
Esse negócio de fazer embaixada ficou ridículo.
Isso não é futebol.
Um amigo meu foi jogar contra o time dos filhos.
Aquela pelada que assusta qualquer um com mais de trinta.
Onze velhos, contra onze moleques.
Pais contra filhos.
Sempre foi difícil ganhar.
Quase impossível.
Antigamente os moleques corriam demais.
Deixavam os velhos no chinelo.
Hoje não é mais assim.
Ficam os garotos tentando dar dribles improváveis,
enquanto os velhos, pragmáticos e objetivos fazem os gols.
Seis a dois pros velhos foi o resultado do jogo do meu amigo.
Coisa triste isso que a Nike está fazendo com uma geração de garotos.
Transformando talento no campo em talento de circo.
Ronaldinho, na Copa, para fazer jus à fama, se esforça, tropeça e cai.
Pobre Ronaldinho.
Pobres malabaristas.
Isso não é futebol.
Joguem feio brasileiros.

19.6.06

65

Quando o logotipo da Nike e o logotipo da CBF têm o mesmo tamanho na camisa, fica difícil o craque saber quem deve defender.
Arlequim de dois senhores, Ronaldinho não está jogando como Ronaldinho.
Está jogando para tentar igualar a figura mítica institucionalizada pelo patrocinador e pelo imaginário, tangibilizada em centenas de vídeos com seus melhores momentos.
Assim, em 90 minutos precisa, para agradar a todos, reproduzir o melhor desses momentos.
Não consegue.
E sua imagem tropeçando na bola denuncia a cilada em que nos metemos.
Só não é mais grave e evidente porque o outro Ronaldo é quem atrai ainda mais atenção.
Não quer admitir que está gordo e lento.
Não quer admitir que está deprimido e desmotivado.
Ronaldo pensa no que podem dizer, o que o presidente vai achar, o que a namorada vai pensar.
Se preocupa em responder com palavras o que não consegue responder no campo.
A equipe finge que não há problemas.
Mas a alegria se foi.
São velhos no campo.
Cansados e ocupados com tantas preocupações.
Poucos ainda têm algo a provar, eterno estopim de nossa genialidade.
A super-exposição da Copa é, para esses, um mal e não um bem.
Não vai catapultar suas bem sucedidas carreiras.
Vai, ao contrário, apenas alertar para suas vidas distantes da realidade do país que representam.
Ricos falsos-europeus, já superaram a relação de sonho e conquista.
Empresários, investidores, não defendem o Brasil porque não são daqui.
É fácil esquecer a alegria tropical entre uma ou outra partida de golfe.
Ficam eles lá, estrangeiros a nos representar sem vontade.
Ficamos nós aqui, tentando encontrar alguma empatia com esses estranhos, "como é mesmo o nome desse"?
Ficam no banco a alegria e o novo.
Ficamos nós aqui a desejar dias melhores e a querer acreditar que de um jogo pra outro houve alguma melhora.
Mas felizes mesmo, só os argentinos.

12.6.06

64

A porta do elevador se abriu.
Seus olhos se cruzaram.
Ele estava no Kyocera.
Ela fingiu não vê-lo, baixou os olhos.
Mas não aguentou.
Foi subindo o olhar lentamente.
Medindo.
O sapato era Samello.
A calça Siberian.
O cinto VR.
A camisa Brooksfield.
Ele desceu no primeiro sub-solo.
O mesmo que ela.
Sorte ou destino?
Ela resolveu segui-lo.
Ele entrou em seu Hyundai.
Ela foi atrás.
Ele parou no Bob's.
Desceu fumando Charm.
Para chegar aqui, nenhuma avenida.
Só caminhos alternativos.
A cara dela.

5.6.06

63

Nomes são coisas sérias.
Veja os europeus por exemplo.
Centenas de anos de experiência, conquistando
com seus nomes pomposos as nações mais fracas,
terras de fulanos e menganos.
Ou você acha que é coincidência que Napoleão,
trazia em seu âmago o próprio rei do animais?
Nomes não são brincadeira.
Schumaker, pisa fundo e provavelmente teve um tataravô sapateiro.
A terminação "berg" dos judeus traz em sí a grandiosidade e imutabilidade de "montanha".
Blair é "campo-de-batalha", veja você.
O "ein" em "Einstein significa "primeiro", apesar de "stein" significar pedra,
o que não ajuda a comprovar meu ponto.
Mas não importa.
O fato é que nomes são muito importantes,
caso contrário Benjor ainda seria Jorge Ben.
Em tempos de guerra, mais ainda.
Por isso se você vai à Copa, fica aqui minha sugestão:
Se alguém perguntar o que significa o pós-fixo "inho" em português,
diga que significa "El Matador", "Pássaro de Fogo" ou mesmo "Cavaleiro de Falo Avantajado".
Sei lá...não desconfio do talento de nossos jogadores, consagrados em todo o mundo, mas não custa fazer a nossa parte quando Ricardinho, Cicinho, Juninho, Robinho, Ronaldinho entrarem em campo.

2.6.06

62

Outro dia fiquei sabendo do Lúcio.
Faltava de tudo para o coitado.
Dinheiro principalmente.
Não tinha emprego, abandonado pela mulher, morava num quarto e sala sem graça.
Tinha uma vida tão infeliz, que contraiu uma uretite de tanto segurar a urina.
É que segundo ele, o único momento feliz do seu dia, era quando mijava depois de horas de aperto o pobre do Lucio.
Quando podia pagar pela internet, mandava e-mails para endereços que inventava, só para receber as mensagens de erro.
Desligou a secretária eletrônica assim gastava menos eletricidade e tinha a chance de ao menos imaginar quem poderia ter ligado.
Pobre do Lucio.
Quase deixou de fumar, não por força de vontade, mas porque regulando o vício, gastava menos e como benefício adicional transformava o momento que colocava um cigarro na boca num momento quase tão feliz quanto uma boa mijada.
Um lutador o Lucio.
Mas um dia resolveu por um fim no seu martírio.
Procurou uma técnica que fosse infalível.
Encontrou, mas era trágica demais.
Segundo um manual de origem suspeita, encontrado num sebo do lado do Belas Artes, ele deveria dar um tiro no céu-da-boca, com a boca cheia d'água.
Com ilustrações detalhadas, o livro mostrava como a bala iria em direção ao cérebro, seguida de um fluxo explosivo de água.
Não tinha erro.
Coisa horrorosa pensou o Lucio.
Afinal, depois de tanta tristeza, queria que seu momento final fosse feliz, afinal.
Um suicídio alegre, gostava de pensar numa lógica que só ele compreendia.
Veneno de rato era nojento.
Se jogar do Terraço Italia era tão anos 70.
E não era opção pois tinha medo de altura.
Resolveu tomar remédio pra dormir.
No dia marcado, sentou na poltrona em frente à TV e preparou um chá com o frasco todo do tarja preta.
Tomou justo quando começou o Jornal Nacional.
O Bonner começa a ler os resultados da mega-sena, Lucio lembra que jogou.
Tira a carteira do bolso e procura o bilhete, no meio dos recibos do RedeShop.
Acompanha o primeiro número.
Quatro.
Acertou.
O sono vinha rápido. As palpebras pesavam.
Dezesseis.
Acertou.
Vinte e oito.
Certo de novo.
Era quase impossível ficar acordado, mas um terno ele nunca tinha feito.
Cinquenta e cinco.
Quadra.
Lucio pensou no que poderia ter feito com o dinheiro.
Apesar de que quadra paga uma merreca, pensou com o corpo tombando pro lado.
Setenta e três, Bonner parecia estar cochichando.
Ele falou setenta e três?
Se falou é quina.
Lucio fez um acordo com o sono. Resolveu fechar os olhos e escutar o último número.
Se fosse noventa e nove era sena.
Mas não deu tempo.
Lucio morreu justo quando Bonner anunciou que a Caixa Econômica informava que houve apenas um acertador.

29.5.06

61

O Papa esteve visitando os campos de concentração de seu país natal.
Isso não é lá novidade, afinal João Paulo II também já fez essa viagem.
A novidade é que Bento XVI num rompante de consternação, perguntou "onde Deus estava" durante os piores dias do Nazismo.
Se ele não sabe, como é que eu vou saber?
Não entendo muito bem porque o Nazismo merece tamanha atenção papal.
Nem compreendo porque as mortes de lá mereceriam mais atenção do que as de cá.
Afinal, o livre-arbítrio faz do Nazismo um ato humano, desses que Deus tem pouca o nenhuma influência.
Como acontece em toda guerra, pode-se até lutar em nome de um Deus, mas na hora do aperto, não adianta clamar por Ele.
A pergunta seria mais adequada para as mortes do Katrina, do Tsunami e do recente terremoto na Indonésia, essas sim, tragédias que Deus poderia ter tido alguma influência.
Ao questionar o paradeiro divino, o Papa humaniza sua própria figura.
Faz com que a gente pense que talvez, por traz de tanta opulência e honraria ele também não tem a menor idéia das tragédias que nos aguardam, nem do destino, nem da luta entre bem e mal.
E se nem o Papa tem uma linha-direta com o divino, então estamos mesmo ferrados.
A foto de Bento XVI caminhando por Auchwitz, tem alguma coisa de quarta-feira de cinzas.

16.5.06

60

O colunista Demétrio Magnoli, no texto "Pânico no Galinheiro", publicado na seção Cotidiano da Folha de terça-feira 16 de maio, afirma que é uma vergonha a reação dos paulistas aos boatos de segunda-feira, fugindo para seus "bunkers domésticos".
Chamar São Paulo de "galinheiro" retrata bem o caos que a cidade se transformou não na última segunda, mas nos últimos anos em termos de segurança, saúde, educação, poluição e o que mais se leve em conta.
Mas termina aqui o acerto do colunista que erra ao nos chamar de covardes e nos comparar aos londrinos e aos bósnios.
Alias, o simples fato de comparar a violência urbana à que estamos submetidos com a de países em guerra, já deixa clara a gravidade da situação e justifica a reação alarmada dos habitantes de uma metrópole em tempo de suposta paz.
Demétrio chega até a referir-se aos londrinos como modelo de heroísmo.
Tais comparações são descabidas e carecem de embasamento histórico. Os londrinos, durante a segunda guerra, chegaram a enviar suas crianças para casas de parentes em cidades vizinhas e, boatos à parte, as mortes neste final de semana superaram as mortes em Bagdah no mesmo final de semana.
Qualquer raça teme a violência e é ingenuidade prostrar-se diante da iminência de uma profusão de criminalidade. Para o colunista parece ser motivo de orgulho parar diante de bandidos armados, para mostrar-se herói.
Não somos covardes os paulistas.
Somos, sim, descrentes da capacidade do governo de nos prover segurança.
Alias, somos descrentes da capacidade do governo em nos prestar qualquer serviço que seja, por isso a classe média que pode, corre para os planos de saúde privados, para as escolas particulares e recorre à segurança privada.
Nosso governo, municipal, estadual e federal ruiu.
O caos de ontem não foi covardia. Nem foi o efeito de uma guerra psicológica, como alega Demétrio.
Foi só o sintoma de um povo que perdeu a conexão com seus governantes e que, por isso, não crê em suas instituições.

15.5.06

59

O prefeito Gilberto Kassab não é nome de boa lembrança.
Foi secretário do Pitta, mas como o próprio Kassab disse, 3 milhões de pessoas votaram no Pitta, então ele não foi o único a se equivocar.
Eu não votei no Pitta.
Nem no Kassab.
Tenho todos os motivos para desconfiar do nosso prefeito.
Na semana passada, Kassab apresentou um projeto absolutamente radical para banir da cidade o caos causado pela completa falta de critério na utilização de cartazes, outdoors e faixas.
Segundo o projeto, praticamente todas as formas de propaganda exterior seriam sumariamente banidas do espaço urbano.
Outdoors, telões eletrônicos, backs e front lights, carros, bicicletas e trailers com publicidade, faixas, empenas de prédios, banners e cartazes na fachada de estabelecimentos comerciais. Adeus para vocês.
Uma limpeza como nunca se viu.
A cidade ficaria...linda.
Foram poucas as reações contrárias e nenhuma veio de partes não diretamente comprometidas com o assunto.
Nenhum cidadão vaiou.
Só a ABA, a Associação Brasileira de Anunciantes e os veículos especializados em comunicação parecem lamentar a medida.
Segundo o semanário Meio & Mensagem, que evidentemente tem interesse comercial no segmento, o prefeito estaria desprezando "um segmento que investe R$ 250 milhões em publicidade".
Por essa lógica, torna-se lícito o valerioduto, que movimentou muito mais que isso.
Desde quando as decisões legislativas, cívicas, urbanas devem se pautar pelos valores investidos?
A medida, se vai prejudicar uns poucos magnatas das faixas de rua, vai beneficiar milhões de cidadãos que poderão ver de novo a cidade escondida atrás daquele outdoor, ou o verde que ainda restou atrás daquele telão.
Alega-se que todas as grandes cidades do mundo são repletas de comunicação exterior.
Não é verdade.
De Buenos Aires a Nova York, de Paris a Los Angeles, nenhuma cidade se compara a São Paulo em termos de poluição visual.
Em São Paulo vale tudo.
Qualquer mané está liberado a agradecer a Santo Expedito pela graça alcançada na forma de uma faixa de rua que impede a visão do semáforo. Qualquer show de pagode pode se anunciar impunemente em lambe-lambes nos postes da cidade.
Por não respeitarmos o espaço urbano, até as equipes da prefeitura que pintam postes e calçadas, distribuem suas brochadas irregularmente, resultando numa cidade imunda, feia e mal cuidada.
Esse projeto é uma luz na escuridão.
Cabe a nós, cidadãos, apoiá-lo.
O lobby das empresas de mídia exterior é fraco.
É pena que nosso lobby, o dos cidadãos indignados, seja mais fraco ainda.

9.5.06

58

Não lembro em qual filme, Woody Allen disse, no personagem de Alan Alda, que o humor precisa de desgraça + tempo para existir.
Ou seja, qualquer fato, por pior que seja, vai virar piada, é só uma questão de tempo.
Interessante isso, apesar de não explicar porque tenho vontade de rir em velórios.
O tempo faz a desgraça perder a importância, e assim, podemos rir.
Notícias em jornais antigos definitivamente perdem a importância de quando formam publicadas.
Os títulos das manchetes de dez ou vinte anos não são mais tão graves quanto a notícia fresca.
Catástrofes, o preço das ações, as guerras, as fofocas, a política, quando relidas em jornais velhos, não têm mais a importância que tinham quando foram impressas.
E importância talvez nem seja a palavra mais precisa.
A sensação é de que nada é tão grave quando visto à distância.
O tempo passou, as feridas cicatrizaram, os riscos gerenciados, as mortes choradas, os prejuízos contabilizados.
E o mundo continuou.
Nada muda sob o sol, não importa a gravidade da notícia da capa.

.

O escândalo do pt-valério-dirceu-silvinho está sendo requentado.
Ou talvez os homens que manipulam o seu e o meu voto realmente tenham guardado o pior para os próximos meses.
A verdade é que quando peguei o jornal hoje de manhã, achei que estava lendo um jornal velho.
As mesmas notícias que não terão nenhuma conseqüência.
As mesmas investigações que culparam os suspeitos usuais.
Seremos enganados de novo e o mundo continuará.
Não importa a gravidade da acusação, Lula nunca saberá o que aconteceu nem pretende fazer nada a respeito.
Vai ver que ele sabe que nenhuma notícia é importante no longo prazo.
Vai ver que sabe que tudo vira piada no fim.
O que Silvio tem a dizer, ou o que o PT tem a justificar, não tem mais nenhuma importância para mim.
Hoje a notícia fresca já amanheceu velha e não achei graça nenhuma.

8.5.06

57

O semanário Meio & Mensagem desta semana fala sobre o crescimento dos investimentos argentinos em propaganda, superando em muito o Brasil.
Antes de entrar em desespero, deve-se levar em conta que qualquer índice argentino de crescimento, no passado recente, não pode ser analisado de maneira isolada. A Argentina vem se recuperando de uma das mais graves crises de sua história. Sendo assim, o alegado crescimento de 25.75% nos investimentos publicitários em 2005, apenas trazem o país ao patamar que se encontrava em 2000.
Se analisarmos o crescimentos dos investimentos publicitários no período que vai de 2000 à 2005 naquele país, veremos que o crescimento anual médio é de apenas 4.35%. Por essa ótica, da virada do século até 2005, a publicidade argentina cresceu apenas 21%.
É claro que por este viés histórico, não levamos em consideração o momentum atual do mercado argentino, que é evidentemente positivo.
Estando novamente na primeira liga dos investimentos, a Argentina terá necessariamente que crescer para fora de suas fronteiras já que a gorda fatia advinda da mídia deve estar próxima de seu limiar máximo. E essa exportação vai ocorrer, como a matéria dexou claro, principalmente pelos setores de criação e produção,
O recado, para nós, é simples: corra que os argentinos vêm aí.
Em Produção, vejam sua produção de cinema recente e comecem a se preocupar.
Hollywood já colocou Buenos Aires na folha de pagamentos há pelos menos 4 anos.
Em Criação, é ainda pior, porque eles se colocam na nossa frente já na fila da largada.
E não digo isso porque seus criativos sejam melhores que os nossos.
Não é talento que coloca os criativos argentinos em vantagem nos investimentos em criatividade.
É cultura, lamentavelmente.
Não a cultura de quem cria, mas a de para quem se cria.
Cultura do consumidor médio astronomicamente melhor do que a nossa, o que permite, ou exige, mais inteligência no produto criativo. Cultura próxima da européia, o que transforma Buenos Aires, não só num pedacinho da Europa, como eles adoram esfregar na nossa cara, mas também num campo de provas bom e barato.
Nós, pobre caldo cultural, temos que falar a linguagem de um povo que se identifica com todas - e por isso mesmo - nenhuma parte do mundo.
Dá-lhe varejão.
Somos tão, mas tão especiais, que não servimos bem ao interesse do primeiro mundo da propaganda.
Por que então nosso sucesso?
Porque criamos nossa propaganda de maneira única, para nosso povo único, e quando nos fazemos entender lá fora, somos geniais.
Não vou dizer que é exatamente como no futebol, mas é.
Só que gringos, na hora de botar a mão no bolso, preferem algo mais familiar, como a Argentina.
Enfim, yo no creo en argentinos. Pero que los hay, hay.

4.5.06

56

Eu queria ser o André Santana da Belíssima.
Além de boa pinta, ele pode tudo.
Como presidente da empresa, cargo conquistado numa evidente mutreta, recebeu imediato apoio de todos os diretores.
Mais ou menos como aconteceu com o presidente Lula, que apesar das consagradas picaretagens de sua equipe, continua contando com o apoio irrestrito da população e de seus pares.
Ao contrário do Lula, no entanto, André cuida de tudo pessoalmente.
Da contratação da faxineira à demissão de um diretor. Da mudança da sede à construção de uma nova fábrica. E se o caso é este último, André vai pessoalmente às casas que serão compradas para serem derrubadas.
A Belíssima é como o mundo deveria ser. Uma ditadura onde um déspota esclarecido resolve o que é melhor para todos. Ninguém dando palpite, a empresa vai de vento em popa e André sabe de tudo que se passa em sua administração.
Lula não sabe de nada nunca.
André sabe muito mais, inclusive, do que o séquito de diretores que sempre o acompanha.
Diretores que são sempre surpreendidos pelas decisões agressivas de seu presidente.
Lula não é assim. Lula toma apenas decisões previsíveis e tacanhas.
André cuida inclusive da relação com investidores. Defende seus interesses.
E nisso, é muito semelhante ao Lula, que está desde que assumiu, em campanha para se reeleger.
Agora o André vai lançar a Lindona, uma linha de produtos mais barata, uma espécie de Fome Zero. Só que diferente deste último, Lindona vai ser sucesso. E o Fome Zero não passou de mais um infeliz projeto assistencialista, aos moldes populistas da falida URSS, sem nenhuma possibilidade de sucesso.
Afinal, num país corrupto como o nosso, quem pode ser escolhido para distribuir dinheiro?
Enfim, eu já comprei ações da Belíssima e, pensando bem, já escolhi meu candidato.

55

Minha primeira reação com a declaração do nosso Presidente de que a Bolivia está correta ao nacionalizar suas reservas naturais foi de otimismo.
Imagino que é assim mesmo que um presidente deva reagir.
Na imprensa diz que concorda, mas por trás começa a articular para mandar uma bomba nuclear nesse paizeco petulante.
Mas depois de pensar um pouco, cheguei à assustadora conclusão que provavelmente Lula não está articulando nada mais.
Foi e será apenas essa a sua reação.
Já o presidente da Petrobras informou que cancelou todos os investimentos que seriam feitos na Bolivia.
Ora por favor. Isso lá é ameaça?
Investir onde? Todo o dinheiro brasileiro que estava na Bolivia foi tomado pelo indígena que preside uma nação cucaracha que só tem a nós como cliente.
Nos roubavam de dentro, agora nos roubam de fora.
Bem feito para nós.
Afinal, quem mandou a Petrobras se preocupar mais com o valor de suas ações do que com seu produto final?
Temos auto-suficiência na produção de petróleo e auto-incompetência na gerência de nossas necessidades energéticas.
E o Lula apenas acena em despedida, com os quatro dedos populistas ainda sujos de petróleo.
Adeus Petrobras Bolivia.
Perdemos mais uma.
É ecidente que trata-se de uma estratégia do outro fanfarrão latino, Hugo Chaves, para valorizar seu petróleo.
E tem ainda o Kirchner que sempre que bate o pé, nós cedemos.
E ainda vem outro índio no Peru.
Ou seja, estamos cercados de índios a nos saquear os direitos, os contratos e os dinheiros.
Nós, uma vez nação líder do cone-sul, estamos sendo tapeados por esses grosseiros.
Lula é uma figura monarquica.
Não apita nada nem sabe de nada.
Alkimin não sabe o que dizer.
Garotinho faz greve de fome.
Isso vai piorar antes de melhorar.

30.4.06

54

Tenho idade para ter sido testemunha, mas não para ter torcido pela Seleção do Tri.
Na minha família italiana, a bem da verdade, eu deveria ser o que menos se interessava por futebol.
Com pouco mais de cinco anos, não me lembro bem dos detalhes.
Lembro apenas o suficiente para discutir com quem insiste que os jogos foram transmitidos em cores.
Não foram.
Mas isso é assunto menor.
O jogo é Brasil e Italia, final da Copa de 1970 e a sala da casa da minha avó está lotada.
Metade da família torce para o Brasil e a outra metade finge que torce para a Italia.
Eu sou esse sentado meio no canto, dando completa atenção para uma moeda de cinqüenta centavos.
Em homenagem ao árbitro, tinha acabado de aprender como lançar uma moeda para cima com o polegar.
E por alguma razão mágica, aquela moeda e o jogo, na minha cabeça, estavam conectados.
Pelé pra Tostão, Tostão pra Jair e a moeda voa da minha mão para decidir o lance.
Gira no ar e reflete o verde e amarelo em preto e branco da TV.
Começa sua queda quando Jair na boca da área enche o pé num chute cruzado.
No piso de tacos, escorregadio, a moeda girava sem parar quando tudo ficou em câmera lenta.
A bola, quadro-a-quadro entrou pelo gol italiano e fez a rede mexicana balançar.
Termina a câmera lenta.
A sala explode em alegria.
Foi então que percebi tudo.
A moeda está lá, parada em pé, impávida sobre os tacos lustrosos, imune à gravidade.
Olho em volta, a procura de cúmplices, mas estão todos vibrando, brasileiros e falsos italianos.
Olho de novo para a moeda. Com os pulos da torcida, ela bambeia e cai.
O milagre tinha acontecido.
A moeda fez o gol.
Se você duvida, pegue uma moeda e jogue para o alto.
Aposto que ela nunca vai parar em pé.
Como nunca mais haverá um outro gol como aquele.
Olhei em volta e a emoção havia se dissipado.
Todos voltaram a sentar, agradecidos com o placar.
Nunca saberiam que fui eu e a moeda que fizemos o gol.
Foi então que meus olhos cruzaram os do tio Orlando, o mais italiano dos meus parentes.
Ele me olhava e sorria.
Um sorriso de lábios, sem mostrar os dentes.
Ameacei perguntar mas antes que eu pudesse falar, ele disse com sua voz mansa e sotaque calabrês:
"Eu vi. Pode ficar tranquilo, porque eu vi tudo."
Acho que foi meu primeiro suspiro. De alívio.
Olhei para a moeda e ela estava lá, abatida.
Como o goleiro italiano.
Futebol, pra mim, é isso.

27.4.06

53

1. Se deputados e senadores passam boa parte do tempo auto-investigando suas próprias falcatruas, porque devemos pagar seus salários?

2. Se sou obrigado a usar meu carro 52 dias a menos por ano, porque continuo pagando o mesmo IPVA?

3. Se prefeitos vão abdicar para ser governadores, governadores vão abdicar para ser presidentes e presidentes usam todos os recursos para se eternizarem, de que adianta votar?

26.4.06

52

Não gosto de apresentações em PowerPoint.
Não me sinto confortável, sentado em uma poltrona, cercado de outros duzentos profissionais calados, ou mesmo ao redor de uma sala de reunião escura, olhando para uma apresentação cheia de setas e efeitos.
Platéia de um PowerPoint, você sabe que está diante da Verdade Inquestionável na ponta de um laser pointer.
Mas o que mais incomoda é o ritual que se estabelece, obrigando todos os presentes, a se zumbinizarem por quarenta minutos e deixando de lado suas formas próprias de pensar.
PowerPoint é a mecanização de um jeito de pensar simplista, onde tudo que você tem a dizer, tem que caber num espaço mínimo e de preferência em tópicos.
Não pense linearmente.
Pense aos trancos.
Não elabore.
Não livre-associe.
Apenas siga as setas e você verá que nada no mundo é complicado.
Complicou, insira um gráfico.
E mais.
Apresentações em PowerPoint, como a maior parte do cotidiano corporativo, seguem uma estética própria.
Existem épocas em que palavras são repetidas à exaustão, como na época em que para atingir qualquer objetivo era preciso "romper paradigmas", "pensar out-of-the-box" ou "expandir o envelope".
No Verão, fundos degrades de azul, com fontes serifadas.
No Inverno, fundos brancos e letras sem serifa.
Tudo "impactante".
Tem também os efeitos: animações e transições que alguns acreditam possuírem propriedades mágicas capazes de dar dinamismo a enfadonhas seqüências de texto.
Já notei, por exemplo, que os raciocínios circulares (setas em arcos, intercaladas por textos), geralmente fazem sucesso.
Se o título deste slide então for Círculo Virtuoso, (num trocadilho com círculo vicioso, pegou?) a platéia balançará a cabeça afirmativamente, em cumplicidade admirativa.
Um ou outro clip-art para "humanizar".
Seria sucesso se alguém fizesse um programa capaz de randomicamente combinar palavras-chave fornecidas pelo usuário, relacionando-as com setas, boxes coloridos e imagens.
O Flecharizer®.
Você coloca 30 palavras-chaves e em segundos estão todas combinadas com efeitos impactantes.
No composto retórico-estético de uma apresentação de PowerPoint, não existe espaço para dúvidas ou questionamentos.
As dúvidas serão respondidas no final, fora do contexto do PowerPoint, que é para não poluir esse momento como uma ou outra, com o perdão da palavra, dúvida.
Não sou só eu, ainda bem, que tem críticas a este modelo.
No UOL, Abel Reis da Agência Click escreveu um texto sobre o assunto e relacionou os principais problemas/conseqüencias do monopólio estabelecido por esta ferramenta, os quais ouso copiar sem autorização: a economia de textos, a organização seqüencial da exposição, a itemização de assuntos e a expressão visual de conceitos.
Enfim, sobre fundo branco, entram letras voando e compõe-se num último slide, um "Muito Obrigado" em bold.

23.4.06

51

O presidente inaugurou esta semana uma central de geração de energia eólica.
Durante o evento, ele afirmou, textualmente, que para ele "foi uma grande surpresa saber que o vento poderia gerar energia".
Na verdade, chegou a lançar um olhar cúmplice para os que estavam a sua volta, como que dizendo "vocês sabiam? hem? hem?".
Não surpreende que ele não sabia um conceito primário.
Não surpreende que ele não saiba mais este fato da vida.
Durante todo seu governo, o presidente tem demonstrado tudo o que não sabe.
E como é infindável seu não-saber.
Lula não sabe do que se passa nas salas ao seu redor.
Lula não sabe de onde vem o dinheiro que o sustenta.
Lula não sabe o que fazem seus ministros, assessores e secretários.
Lula não sabe falar inglês, francês ou castelhano.
Lula não sabe nem falar português direito.
Não é de surpreender, portanto, que ele não saiba que o vento gere energia.
Sentado numa espreguiçadeira de frente para o mar, vendo os veleiros passar, tudo era mistério para Lula.
Os barquinhos, para ele não se moviam graças à energia cinética gerada pelas velas.
Os planadores, as asas delta, as jangadas de seu nordeste, tudo se movia pela graça de deus.
Parece ironia, mas é assustador.
Essa é só a ponta do iceberg.
Só revelou o quanto Lula não sabe nada de nada.
Que bem deve ter sido a presidência na vida do Lula.
Nós, brasileiros abençoados por alguns anos na escola, talvez não sejamos capaz de perceber o deslumbre que deve ser, todos os dias, aprender algo novo.
Lula vai de reunião em reunião, aprendendo na prática, como é o mundo e como são as coisas.
Lula tinha que cumprir seu papel histórico.
Mas agora já chega.
Nesta mesma semana, Lula inaugurou a plataforma de petróleo histórica da Petrobras. Aquela que iguala nossa extração ao consumo, mas que na prática não representará nada, pois não temos know-how para produzir combustível com nosso próprio petróleo. Então vamos continuar importando como sempre.
Enfim, Lula repetiu o gesto de Getulio, sujando as mãos com petróleo.
A imagem parecia fechar um ciclo.
Getulio, bastião dos trabalhadores brasileiros e Lula, representante legítimo do trabalhador. Dois presidentes unidos num mesmo gesto.
Mas a mão carimbada de Lula, com seu dedo faltando, entrega que nos falta algo.
Falta muito para sermos completos.
Falta vergonha na cara.
Falta cultura.
Falta honestidade.
E nem mesmo o petróleo é nosso.
Lula não sabe de nada.
E não merecemos um líder tão pouco preparado.

19.4.06

50

No quiquagésimo post, segue uma tradução de um texto argentino:

Dizem que todos os dias você deve comer uma maça por causa do ferro.
E uma banana pelo potássio.
E também uma laranja pela vitamina C.
Uma xícara de chá verde sem açúcar para prevenir a diabetes.
Todos os dias deve-se tomar ao menos dois litros de água.
E uriná-los, o que consome o dobro do tempo.
Todos os dias deve-se tomar um Yakult pelos lactobacilos, que ninguém sabe bem o que é, mas que aos bilhões, ajudam a digestão.
Cada dia uma Aspirina, previne infarto.
Uma taça de vinho tinto também.
Uma de vinho branco estabiliza o sistema nervoso.
Um copo de cerveja para não lembro bem o que faz, mas faz bem.
O benefício adicional é que se você tomar tudo isso ao mesmo tempo e tiver um derrame, nem vai perceber.
Todos os dias deve-se comer fibra.
Muita, muitíssima fibra.
Fibra suficiente para um pulover.
Você deve fazer entre quatro e seis refeições leves diariamente.
E nunca se esqueça de mastigar pelo menos cem vezes cada garfada.
Só para comer, serão cerca de cinco horas do dia.
E não esqueça de escovar os dentes depois de comer.
Ou seja, você tem que escovar os dentes depois da maçã, da banana, da laranja, das seis refeições e enquanto tiver dentes, passar fio dental, massagear a gengiva, escovar a língua e bochechar com Plax.
Melhor, inclusive, ampliar o banheiro e aproveitar para colocar um equipamento de som, porque entre a água, a fibra e os dentes, você vai passar ali várias horas por dia.
Há que se dormir oito horas por noite e trabalhar outras oito por dia, mais as cinco comendo são vinte e uma.
Sobram três, desde que você não pegue trânsito.
As estatísticas comprovam que assistimos três horas de TV por dia.
Menos você, porque todos os dias você vai caminhar ao menos meia hora (por experiência própria, após quinze minutos dê meia volta e comece a voltar, ou a meia hora vira uma).
E você deve cuidar das amizades, porque são como uma planta: devem ser regadas diariamente, o que me faz pensar em quem vai cuidar delas quando eu estiver viajando.
Deve-se estar bem informado também, lendo dois ou três jornais por dia para comparar as informações.
Ah! E o sexo. Todos os dias, tomando o cuidado de não se cair na rotina. Há que ser criativo, inovador para renovar a sedução.
Isso leva tempo e nem estou falando de sexo tântrico.
Também precisa sobrar tempo para varrer, passar, lavar roupa, pratos e espero que você não tenha um bichinho de estimação.
Na minha conta são 29 horas por dia.
A única solução que me ocorre é fazer várias dessas coisas ao mesmo tempo.
Tomar banho frio com a boca aberta, assim você toma água e escova os dentes enquanto faz sexo.
Sobrou uma mão livre? Chame os amigos e seus pais. Beba o vinho, coma a maçã e de a banana na boca da sua mulher.
Ainda bem que somos crescidinhos, senão ainda teria um Danoninho. e se sobrarem 5 minutos, uma colherada de leite de magnésio.
Agora tenho que ir.
É o meio do dia, e depois da cerveja, do vinho e da maça, tenho que ir ao banheiro.
E já que vou, levo a escova de dentes.

18.4.06

49

Estamos cercados de fanfarrões, já notou?
Ao norte Hugo Chaves.
A oeste, o recém empossado Evo Morales.
Ao sul, o milongueiro Nestor Kirchner.
Aí você dirá que ao centro, Luiz Ignácio.
Não é verdade.
Lula está longe de ser um fanfarrão. Assumiu o governo como uma espécie de Perón ao contrário.
Foi eleito pelos pobres e governa para os ricos.
Uma cortina de fumaça de escândalos, encobre a realidade ainda mais dura:
O argumento maquiavélico de que os fins justificam os meios, única forma de defesa possível para Lula, Dirceu e companhia, é alegar que o maior esquema de corrupção que se tem notícia tinha como objetivo final perpetuar o governo do PT.
Que governo?
Um governo que traiu todos os ideais petistas. Todos os ideias trabalhistas.
O maior esquema de corrupção da história brasileira tinha como objetivo perpetuar o governo mais neo-liberal que se tem notícia.
Por falar em fanfarrão, talvez fosse melhor o Garotinho ser eleito.
Tem mais.
A Palestina hoje está dividida entre Hamas e Fatah.
O Hamas apoiou o atentado de ontem.
O Fatah não.
O Fatah quer afastar-se das ações terroristas.
O Hamas não.
Uma nação em guerra dentro e fora de suas fronteiras.
Enquanto isso, o Irã afirma que tem um aparelho de última geração para tratar urânio.
E filas de iranianos se candidatam a homem-bomba.
E nem precisei falar do Bush.
Não sei não.
Mas a idéia não era que com o tempo a gente evoluísse?

11.4.06

48

Estou vivendo dias de ufanismo.
Acho que começou quando vi aquele General na ponta da pista de Congonhas, parar um avião apenas com uma carteira. Lembrou aquele Chinês parando o tanque na Praça da Paz Celestial.
Bonito ver como nosso pais ainda respeita as forças armadas.
Já me deu um certo orgulho.
Aí fui ver A Era do Gelo 2.
É claro que alguém mal intencionado poderia dizer que o título do filme é uma referência ao crescimento econômico que apresentamos no último ano. Mas não vou deixar que um comentário cínico como esse abale minha febre terçã de patriotismo.
Afinal, o melhor do filme é sua última cena na hora que, em letras garrafais, aparece o nome do diretor, o brasileiro Carlos Saldanha.
Bonito isso, mesmo sabendo que não existe nenhuma relação entre o Brasil e o filme e que Carlos só conseguiu sucesso na vida fugindo do Brasil, para um país que investe em talentos.
Para completar, tem o Marcos Pontes.
Ah, esse emociona.
Como já disse, só quem tem pouca visão pode criticar o investimento de dez milhões de dólares no astronauta brasileiro. Uma verdadeira pechincha se compararmos o que gastamos – por exemplo - em papel higiênico no Congresso Nacional durante o ano passado. Esse sim, um gasto inútil.
Marcos cumpriu bem seu papel, sempre com sua bandeira em riste e seu chapéu de Santos Dumont por perto. Não se inibiu em espalhar para o mundo todo a idéia comprovadamente equivocada e ingênua, de que somos os inventores da aviação. Fato que se fosse verdade, apenas tornaria ainda mais triste os últimos suspiros da Varig.
E Marcos Pontes inspira, sem vergonha de ser um passageiro sem função no vôo espacial. Alguém deve ter dito a Marcos: você vai, mas não me aperta nenhum botão, faz favor.
Para voar como carona, custou 10 milhões. Para pilotar a nave, o preço é muito mais alto. Esse sim, jamais poderemos pagar.
Mas Marcos está lá. Inspirando crianças a saírem do Brasil como Carlos Saldanha e se transformarem em astronautas americanos.
É a globalização em sua melhor forma.
Aí tem ainda o Garotinho subindo nas pesquisas para encher a gente de esperança.
Isso tudo coroado pelo histórico governo Lula.
Estou inflado por dentro.
Espero que seja orgulho, mas pelas dúvidas, vou tomar um sal de frutas.

7.4.06

47

Estou andando pela Avenida Paulista e dou de cara com o Décio.
Décio fez o primário comigo, numa época em que primário chamava-se primário e a gente ria dos mais velhos que não sabiam o que era primário (hoje os educadores, antigos professores, chamam primário de ensino fundamental, e riem de mim quando falo em primário).
Como melhorou o sistema educacional brasileiro.
Já a vida do Décio, não foi fácil.
Era o filho do zelador.
Seu pai perdeu o emprego e desapareceu com a família do bairro, justo quando íamos para o ginásio (que hoje também não chama ginásio).
O fato é que o Décio parou de estudar aos 11 anos.
Naquela época o sistema educacional era muito pior.
Vai ver que foi por isso que quando encontrei o Décio na Paulista, estava sentado na sarjeta, com um cartão escrito à mão, dizendo que não queria esmola, queria apenas um emprego para sustentar seus quatro filhos, que sempre perguntavam se o pai traria Danone quanto voltasse para casa.
Era o que dizia o cartão.
Como tenho alguns amigos influentes pensei em ajudar. A uma distancia segura, li suas qualificações, que infelizmente se resumiam a trabalhos domésticos, como pintura, reparos, caseiro, etc.
Nenhum dos meus amigos vai levar para casa um sujeito naquele estado, encontrado na sarjeta da Paulista.
Pensei em dar alguns conselhos de marketing pessoal para o Décio.
Mas não.
Décio estava longe de me reconhecer, e era melhor não correr o risco, para evitar a óbvia dívida moral que se estabeleceria no exato momento que nos abraçássemos.
Décio está ferrado.
Além de velho, Décio é despreparado.
E as gerações mais novas foram expostas a um mais amplo trabalho dos educadores do ensino fundamental. Seguramente serão opções mais sedutoras para os empregadores que poderiam pensar em contratar o coitado do Décio.
Uma cilada criada pelo nosso eficiente sistema educacional.
Uma geração de quase-velhos-despreparados terá que disputar empregos com novos-mais-preparados.
Até os pintores e caseiros mais jovens são, enfim, mais preparados que o infeliz do Décio.
Só me ocorre dizer que é melhor que os filhos do Décio estudem.
Porque criança que não estuda, não come sobremesa.
Muito menos Danone.