não conte pra mamãe

7.4.06

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Estou andando pela Avenida Paulista e dou de cara com o Décio.
Décio fez o primário comigo, numa época em que primário chamava-se primário e a gente ria dos mais velhos que não sabiam o que era primário (hoje os educadores, antigos professores, chamam primário de ensino fundamental, e riem de mim quando falo em primário).
Como melhorou o sistema educacional brasileiro.
Já a vida do Décio, não foi fácil.
Era o filho do zelador.
Seu pai perdeu o emprego e desapareceu com a família do bairro, justo quando íamos para o ginásio (que hoje também não chama ginásio).
O fato é que o Décio parou de estudar aos 11 anos.
Naquela época o sistema educacional era muito pior.
Vai ver que foi por isso que quando encontrei o Décio na Paulista, estava sentado na sarjeta, com um cartão escrito à mão, dizendo que não queria esmola, queria apenas um emprego para sustentar seus quatro filhos, que sempre perguntavam se o pai traria Danone quanto voltasse para casa.
Era o que dizia o cartão.
Como tenho alguns amigos influentes pensei em ajudar. A uma distancia segura, li suas qualificações, que infelizmente se resumiam a trabalhos domésticos, como pintura, reparos, caseiro, etc.
Nenhum dos meus amigos vai levar para casa um sujeito naquele estado, encontrado na sarjeta da Paulista.
Pensei em dar alguns conselhos de marketing pessoal para o Décio.
Mas não.
Décio estava longe de me reconhecer, e era melhor não correr o risco, para evitar a óbvia dívida moral que se estabeleceria no exato momento que nos abraçássemos.
Décio está ferrado.
Além de velho, Décio é despreparado.
E as gerações mais novas foram expostas a um mais amplo trabalho dos educadores do ensino fundamental. Seguramente serão opções mais sedutoras para os empregadores que poderiam pensar em contratar o coitado do Décio.
Uma cilada criada pelo nosso eficiente sistema educacional.
Uma geração de quase-velhos-despreparados terá que disputar empregos com novos-mais-preparados.
Até os pintores e caseiros mais jovens são, enfim, mais preparados que o infeliz do Décio.
Só me ocorre dizer que é melhor que os filhos do Décio estudem.
Porque criança que não estuda, não come sobremesa.
Muito menos Danone.