não conte pra mamãe

29.3.06

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Seu pai era fã do Senna.
Até chorou quando ele morreu.
Acordava cedinho aos domingos e torcia pelas corridas como quem torce pelo futebol.
Assim, quando Wilson nasceu, já havia decidido que o filho seria piloto.
O papel de parede do quarto do bebê era todo quadriculado, como uma bandeira de chegada.
Wilson cresceu cercado de miniaturas de metal, autoramas e carros de controle remoto.
Quando aprendeu a ler, ganhou uma assinatura da Quatro Rodas.
A mãe, coitada, nem discutia a mania do marido.
O automobilismo em Wilson não foi uma escolha.
Era mais como parte da vida: família, escola, amigos e carrinhos.
Ao completar dez anos, Wilsinho ganhou um kart de verdade.
Não era um desses in-door.
Era um kart profissional, com box e tudo, numa pista para crianças-piloto lá da Granja Viana.
“Foi assim que o Senna começou”, contava o pai para os amigos.
A bem da verdade, o box era até mais impressionante que o kart.
Tinha fotos tamanho natural do Wilson segurando o capacete, vestido no seu uniforme azul marinho, com a marca da empresa do pai. Tinha equipamentos e ferramentas importadas. E dois motores.
Na entrada, tinha uma faixa enorme com seu nome:
Piloto - Wilson Máximo.
Foi nessas fotos que vi o Wilson pela primeira vez.
Estava passeando pelo kartódromo e aquele box, saltava aos olhos. Como não havia ninguém, arrisquei uma espiada por trás do toldo negro.
Tudo organizado, tudo cirurgicamente limpo.
Continuando meu passeio, qual não foi minha surpresa quando cheguei ao bar e dou de cara com o próprio Wilson, sentado numa mesa comendo Cheetos.
Não sei porque, mas no momento que o vi, pensei que se ele fosse mais velho, poderia estar fumando.
Era mais baixo do que na foto e estava visivelmente acima do peso, pois o zipper do uniforme estava arrebentado bem na altura do umbigo. Estava debruçado sobre a mesa devorando os salgadinhos enquanto folhava sem interesse uma revista de automobilismo.
Quando poderia valer seu autógrafo em alguns anos?
“Você é o Wilson, não?”
Ele levantou os olhos, cansado como um adulto.
“Sou”, respondeu sem parar de mastigar.
Sentado ao seu lado, estava uma mistura de motorista da família e segurança com cara de enfado.
“Vai lá Wilson. Já passou da hora do treino.”
Wilson nem respondeu.
“Você treina sempre?”, perguntei.
“Todo dia.”
“E corre há muito tempo?”, perguntei.
“Três meses”.
O motorista sem mover a cabeça olhou para o céu com desdém.
“Eu vi seu box...impressionante. Você deve ser bom.”
Wilson pegou mais um punhado de salgadinhos.
“Você está no campeonato?”
“Estou. Mas não me classifiquei para nenhuma corrida ainda.”
“Você gosta de correr?”
O garoto olhou pela janela do bar em direção à pista e fez que sim com a cabeça.
Ficou um segundo olhando para fora, aí olhou para mim, pensou em falar alguma coisa, de repente virou-se para o motorista e disse:
“Freitas, pede outra Coca pra mim?”
O motorista se levantou e caminhou lentamente até o bar.
Wilson voltou para a revista.
Fiquei olhando para o Wilson com certa pena.
Resolvi esperar uns anos para pedir o autógrafo.