não conte pra mamãe

17.10.04

6

Sou um sujeito urbano.
Gosto de transito, gosto de poluição.
Mas tenho notado que ultimamente tem uma espécie de doença que contamina quem procura um estilo de vida alternativo, nas cercanias das grandes cidades.
Eu não troco cinco anos a mais de vida por uma casa cercada por cobras.
Mas muita gente não pensa como eu e tem sido infectada. Por sorte a doença tem cura sem necessidade de medicação.
Você percebe que o cara que trabalha ao seu lado é vítima deste mal, quando se ve obrigado a escutar, todas as segundas-feiras, as qualidades dos inúmeros condomínios que cercam a cidade. “Não...você não vai acreditar! Dá pra ter uma vaca no quintal!”.
Pronto. O sujeito contraiu a doença. Você pode ter certeza que agora é uma questão de tempo para que ele troque seu apartamento, ao lado da padaria e do videoclube, por uma casa atolada no barro.
Ele agora vai desenvolver a doença, em quatro fases.
A primeira é simples. O sujeito está feliz e seguro de sua decisão. Você só não pode fazer uma determinada pergunta.
Se fizer, o sujeito já tem a resposta na ponta da língua: “Longe? Imagine! Eu garanto que levo o mesmo tempo para chegar na minha casa que você na sua. Eu saio da Marginal e pronto. Cheguei.”
Passa o tempo e todos começam a notar que o sujeito é o primeiro a chegar e o último a sair do escritório.
Se você perguntar se ele está chegando cedo por causa do transito, a resposta também vem pronta. “Transito? Que nada. Basta evitar os horários de pico, das 7 as 9 da manhã e das 5 as 9 da noite.”
Esta fase dura uns dois anos, até que a vida social da família começa a se deteriorar.
Chega a terceira fase. “Aquilo é um paraíso. As criança adoram...adotaram uma paca, veja você! E agora a gente alugou um apartamento aqui na cidade, só para os dias que a gente quer jantar com os amigos..enfim...”
A doença já está avançada. Mas ao mesmo tempo a cura está a caminho.
Ao final de um ano, o sujeito se dá conta da fortuna que gasta com a casa e o apartamento.
É a quarta fase.
“Mudamos. Agora estamos aqui naquele apartamentozinho que eu te falei...sabe como é...as crianças sentiam falta das amiguinhas e, cá entre nós, a Marisa...ela é urbana, percebe?”
Está curado.