não conte pra mamãe

13.10.04

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Leio quase de tudo.
De livros de auto-ajuda ao jornalzinho da escola das minhas filhas.
Em geral, toda literatura é cativante.
Outro dia, por exemplo, no jornalzinho da escola tinha uma entrevista com a faxineira, a D. Dalva.
Quando questionada sobre suas funções na escola, Dalva informou que faz de tudo. De limpar banheiros a fazer bolinhos.
Não acho muito adequado que a funcionária que limpa os banheiros também faça os bolinhos.
Acho que, ao menos, esta informação deveria ter sido filtrada e entregue aos pais de maneira menos contundente.
O fato é que a singeleza com a qual Dalva associou o fato de limpar latrinas com fazer bolinhos, me fez pensar que talvez ela não limpe as mãos com o devido rigor entre uma tarefa e outra.
Claro que este fato não é relevante se a rotina da escola for primeiro fazer bolinhos e depois limpar os banheiros. Mas acho difícil. A lógica sugere que Dalva limpe os banheiros antes das crianças chegarem e depois, dedique a segunda parte da manhã na confecção dos tais bolinhos, para servi-los no almoço.
Outro dia, quando deixava minha filha em sua classe, um camundongo passou correndo por nós. Ela adorou. Está convencida que é o Mickey. O bichinho entrou no banheiro. Fui atrás, mas não consegui encontrá-lo.
Eu sei que, na verdade, camundongo não é o Mickey. Sei também que camundongo é um eufemismo para rato de esgoto. Um rato de esgoto no banheiro da D. Dalva. Faz a gente questionar a habilidade da Dalva em limpar banheiros.
Não sei sobre sua habilidade em fazer bolinhos, mas confesso que perdi a fome.
Nos livros de auto-ajuda também encontro constatações fascinantes.
Por exemplo encontrei um livro chamado “Aprenda a se conhecer”. Se conhecer? Mas espere...eu me conheço.
Alias, eu me conheço melhor do que qualquer pessoa.
Quem não me conhece é o sujeito que escreveu o livro.
Existe muito talento em quem é capaz de transformar em best-seller, um livro cujo título é "Manual do Auto-Conhecimento". O sujeito é capaz de escrever um livro sobre você, sem nem sequer conhece-lo.
E você é capaz de comprá-lo e ainda indicar aos amigos.
Auto-ajuda tornou-se uma ciência como...como Astrologia.
Duro é o fato de que tanta ajuda, apenas mostra que você e eu somos sujeitos comums e previsíveis.
Apenas conceitos genéricos e superficiais, são capazes de descrever suas e minhas mais profundas características.
Aquelas manias que faziam você pensar que era especial? Capitulo 3: "Como ser diferente".
Aquelas sacadas únicas, que faziam as mulheres sucumbirem ao seu charme? Capitulo 7: "Dez frases de efeito para conquistar mulheres".
Aquele jeito intrigante de segurar o copo de whisky? Capitulo 12: "A linguagem corporal fala por você".
E assim vai.
Você, inteiramente documentado.
Pensando bem, devo estar deprimido.
Afinal, qualquer um que acha os bolinhos da D. Dalva, o Mickey e livros de auto-ajuda igualmente lamentáveis, não pode estar muito bem.