não conte pra mamãe

22.2.07

95

Foi Marcel Proust quem disse que a vida ofusca a vida.
Na verdade não foi exatamente assim que ele falou, mas é assim que eu me lembro.
A idéia é que, vivendo a ilusão da imortalidade cotidiana, deixamos para lá planos, adiamos sonhos, deixamos a vida passar.
Lá se foi a vida, exatamente porque tínhamos vida para gastar.
Ao contrário, no Carnaval, parece que a idéia de que somos mortais se evidencia.
Por alguma razão, nestes quatro dias corremos atrás do tempo perdido - olha Proust aí de novo.
As danças a pouca roupa, tudo é exagerado como se o mundo estivesse prestes a acabar.
Não é invenção nossa esse comportamento.
O Carnaval tem, na origem do mito, essa subversão.
Marcelo Dantas da Costa explica que o nosso Carnaval é herdeiro dos ritos agrários.
Assim, festejar a fertilidade e a mulher, em conjunto, eram uma espécie de superstição nas vésperas no final do Inverno, início da Primavera.
É certo que aqui estamos no Verão e a próxima estação é o Outono, mais uma idiossincrasia brasileira: as mulheres nuas da Sapucaí justificam-se apenas pela sua própria beleza. Que fertilidade, que primavera, que nada.
O fato é que os dias do reinado de Mômo terminaram.
Pelo menos oficialmente e de Minas para baixo, já que no Nordeste teremos ainda muitas Micaretas até o Natal.
O curioso é que, pensando como Proust, acaba o Carnaval e voltamos para a rotina cotidiana. Aquela que ofusca o brilho dos sonhos.
Só que aqui, na terrinha, não é só o tédio diário, não é só a vida que ofusca a vida.
Aqui é a violência mesmo.
É a incompetência dos governantes mesmo.
É a nossa lenta reação, para a ação em câmera acelerada do resto do mundo que impede nossa vida de florecer seja em que estação do ano for.
Esse é nosso brasilzinho.
Muita festa sem justificativa nenhuma.
Muita alegria para esquecer o amontoado de robalheiras.
Aqui não se busca o tempo perdido.
Aqui ainda estamos na fase de perder tempo.
Mas calma Proust.
A gente chega lá.

12.2.07

94

Sobre esse meu post anterior:
Esse egoísmo de nossas elites, apenas espelha, em pequena escala, o que ocorre no resto do mundo.
As elites do mundo geraram o terrorismo que lhes assombra a partir desse mesmo desejo de reter para si a prosperidade.
O combate ao terrorismo imposto pelo governo Bush, não vai surtir nenhum efeito, assim como colocar tanques nas ruas do Rio só vai criar mais e mais conflitos.
Assim se dá a escalada de violência.
Através de mais violência, de mais truculência, de vingança, de auto-defesa.
Os mísseis no Iraque, os Audi blindados, os tanques e a população se armando até os dentes, só revelam o nosso próprio medo.
Assim como o Iraque em frangalhos só revela a incompetência americana, o caso do menino João só atesta que não há defesa possível para a violência que nos cerca.
O paradoxo é que "defender-se" não será solução para a violência urbana ou para o terrorismo.
Não há campanha pela paz, não há ação anti-terrorismo que resolva.
Violência e Terrorismo são sintomas de miséria e exclusão.
O que nos salva é a distribuição da prosperidade e a inclusão da maiorias carentes.
Seja no Rio, em São Paulo ou no resto do mundo.

93

Votei no Partido Verde logo que surgiu, em 1987, numa eleição simulada na empresa em que eu trabalhava na época.
Fui o único voto.
Gostava do Gabeira.
Infelizmente, durante boa parte da década de 90, Gabeira apareceu com projetos estapafúrdios, como o da liberação da maconha.
Num país que não dá conta de tratar sequer de seus alcoólatras, como pensar em liberar as drogas?
Não fomos capazes de desenvolver um sistema de saúde digno, pago pelo Estado, como pensar em priorizar a liberação da maconha?
Mas esse é outro assunto.
O fato é que no início desta década, Gabeira voltou a chamar a atenção.
Primeiro tirando Severino da presidência da Câmara dos Deputados, um lugar que aquele sujeito nefasto jamais poderia ter chegado, muito menos presidido.
Recentemente, Gabeira foi ao plenário para mais uma participação (de tantas que acumula) relevante para a história moderna do Brasil.
Em poucas palavras, resumiu a solução do problema que nos afeta a todos: a violência.
Segundo Gabeira, a solução é simples. Dar dinheiro ao povo. Ponto final.
Gabeira disse isso de maneira quase ingênua.
Terminou sua fala e desceu para se misturar a outros deputados.
Em sua objetividade, Gabeira afirmou o óbvio que ninguém, pricipalmente nós, das elites, queremos ver.
Ponto, parágrafo.
Na semana em que o garoto carioca foi barbaramente assassinado, a Revista Veja, aquela mesma que tentou convencer seus leitores - e convenceu boa parte deles - que andar armado é uma alternativa coerente, a mesma revista que vem se mostrando retrógrada e reacionária em todos os temas relevantes deste país, decidiu que "é hora de dar um basta".
Veja publicou em itálico, intercalado com a descrição factual do lamentável ocorrido, uma quantidade incontável de afirmações descabidas, que não passam de palavras de ordem semi-fascistas.
Bobagens sem objetivo prático. Uma forma de desabafo, discurso vazio que poderia ter saído da boca de qualquer um dos playboys armados, representantes de nossa elitezinha inútl.
A geração da nobreza-fútil, que Veja ajudou a criar.
Ponto, parágrafo de novo.
O Fantástico, na Globo apelou. Durante quase dez minutos expôs uma mãe e um pai destruídos - como não poderia ser diferente.
Mas a certa altura, a matéria não trata mais da violência.
Qualquer pai e mãe que perdesse um filho - em qualquer circunstância - estaria igualmente arrasado.
Não faz sentido expor essa família além do [também questionável] depoimento sobre o fato em si.
Mas o Fantástico se alonga como sempre, para mostrar os detalhes mais cruéis da situação e comover a força.
Passado o drama-TV, o programa que, quase sempre, utiliza a Veja como referência não só de pauta mas até de opinião, tomou - surpreendentemente - outra direção e, ao ouvir Viviane Mosé, permitiu que o simplismo de Gabeira fosse explicado pela filosofia.
Gabeira e Mosé, em suma, dizem a mesma coisa:
A única maneira de nos livrarmos desta maldita violência que nos cerca, é nossa elite incompetente, essa da Daslu, essa dos Jardins, essa que anda de carros blindados, essa da Revista Veja, entender que não é mais possível esperar uma solução do governo. Não é mais possível pedir mais repressão policial ou o exército nas ruas. Incluídos e excluídos se desprezam mutuamente, mas esses últimos não têm nada a perder. Os excluídos nos superam em quantidade e em desprezo. Não é mais possível esperar que o problema se resolva se nós não dividirmos a riqueza. Se não permitirmos que mais gente tenha acesso à nossa vida de regalias e luxos mundanos. Essa gente não quer só comida, diz a música.
Só distribuindo riqueza, só dando dinheiro para o povo é que o problema vai se resolver.

Pode soar um discurso antigo, mas não é.
É muito moderno.
Muito mais moderno que a maconha do Gabeira.

10.2.07

92

Tenho pensado nas implicações da teoria de Chris Anderson, Long Tail e seus desdobramentos, no nosso pobre Brasil.
Até outro dia, Chris Anderson não havia conseguido colocar um bom exemplo de Long Tail aplicado para o mercado offline, ou mesmo para produtos não-digitais como músicas ou livros. Mas, recentemente, ele colocou em seu blog o case de Anheuser-Bush. A cervejaria criou uma divisão para cuidar especificamente de Long Tail e, nos últimos 10 anos, ampliou muito sua linha de produtos, adicionando variantes para nichos. Utilizando uma inteligente estrutura de distribuição, Anheuser-Bush consegue a capilaridade necessária para distribuir seus produtos de nicho por toda a América, ou mesmo captar produtos locais e distribuí-los por toda o país.
Lindo.
Mas o que isso tem a ver com o Brasil?
Simples: para contagiar o mercado offline, a epidemia Long Tail necessita, basicamente, de uma ampla estrutura com internet rápida e abrangente. Do tipo que não temos por aqui. Necessita mão de obra especializada em setores que nunca nos preocupamos em ter. Long Tail offline funciona nos Estados Unidos, mas evidentemente não é o caso no Brasil dos próximos anos. A consequencia é que o abismo entre os produtos importados e os nacionais vai ampliar-se ainda mais, relegando o Brasil a uma condição de país-não-customizável. Em outras palavras, o custo/benefício para “longtailizar” nosso mercado offline, será proibitivo.
Anderson fala, também, de uma tendência dos produtos digitais terem seus valores reduzidos até próximo de zero. Como aconteceu com a música. Veja: a idéia de baratear produtos digitais está intimamente relacionada ao fato dos recursos de produção terem baixado de preço. Hoje, gravar um CD não faz sentido economicamente. CD é uma mídia muito mais cara do que o “real state” do seu hard-disk. Com a facilidade de gravação dos equipamentos modernos, com a banda larga praticamente gratuita nos EUA, é muito barato produzir uma música. Tão barato que ela pode [e tem sido] distribuída de graça. A receita dos músicos deve ser obtida por shows e turnês, não mais pela venda de CDs.
Uma frase define bem esta tendência: “products for free, experience for a fee”.
Agora pense no offline. É razoável pensar que nos anos que estão por vir, num futuro que sempre é mais próximo do que imaginamos, os custos de produção vão se reduzir cada vez mais. Chegará o dia em que produzir um automóvel será tão barato que ele poderá ser dado de graça aos consumidores que assinarem, que pagarem o fee mensal da Volkswagen, por exemplo.
E aí? O Brasil está preparado para uma massiva economia de abundância offline?
Ao menos está preparado para a atual revolução online?
Uma mudança silenciosa, acontece no mundo como conseqüência de toda a evolução tecnológica que tivemos no final do século passado.
Você está preparado para viver num mundo em que quase tudo não vale nada?