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Foi Marcel Proust quem disse que a vida ofusca a vida.
Na verdade não foi exatamente assim que ele falou, mas é assim que eu me lembro.
A idéia é que, vivendo a ilusão da imortalidade cotidiana, deixamos para lá planos, adiamos sonhos, deixamos a vida passar.
Lá se foi a vida, exatamente porque tínhamos vida para gastar.
Ao contrário, no Carnaval, parece que a idéia de que somos mortais se evidencia.
Por alguma razão, nestes quatro dias corremos atrás do tempo perdido - olha Proust aí de novo.
As danças a pouca roupa, tudo é exagerado como se o mundo estivesse prestes a acabar.
Não é invenção nossa esse comportamento.
O Carnaval tem, na origem do mito, essa subversão.
Marcelo Dantas da Costa explica que o nosso Carnaval é herdeiro dos ritos agrários.
Assim, festejar a fertilidade e a mulher, em conjunto, eram uma espécie de superstição nas vésperas no final do Inverno, início da Primavera.
É certo que aqui estamos no Verão e a próxima estação é o Outono, mais uma idiossincrasia brasileira: as mulheres nuas da Sapucaí justificam-se apenas pela sua própria beleza. Que fertilidade, que primavera, que nada.
O fato é que os dias do reinado de Mômo terminaram.
Pelo menos oficialmente e de Minas para baixo, já que no Nordeste teremos ainda muitas Micaretas até o Natal.
O curioso é que, pensando como Proust, acaba o Carnaval e voltamos para a rotina cotidiana. Aquela que ofusca o brilho dos sonhos.
Só que aqui, na terrinha, não é só o tédio diário, não é só a vida que ofusca a vida.
Aqui é a violência mesmo.
É a incompetência dos governantes mesmo.
É a nossa lenta reação, para a ação em câmera acelerada do resto do mundo que impede nossa vida de florecer seja em que estação do ano for.
Esse é nosso brasilzinho.
Muita festa sem justificativa nenhuma.
Muita alegria para esquecer o amontoado de robalheiras.
Aqui não se busca o tempo perdido.
Aqui ainda estamos na fase de perder tempo.
Mas calma Proust.
A gente chega lá.