não conte pra mamãe

19.6.06

65

Quando o logotipo da Nike e o logotipo da CBF têm o mesmo tamanho na camisa, fica difícil o craque saber quem deve defender.
Arlequim de dois senhores, Ronaldinho não está jogando como Ronaldinho.
Está jogando para tentar igualar a figura mítica institucionalizada pelo patrocinador e pelo imaginário, tangibilizada em centenas de vídeos com seus melhores momentos.
Assim, em 90 minutos precisa, para agradar a todos, reproduzir o melhor desses momentos.
Não consegue.
E sua imagem tropeçando na bola denuncia a cilada em que nos metemos.
Só não é mais grave e evidente porque o outro Ronaldo é quem atrai ainda mais atenção.
Não quer admitir que está gordo e lento.
Não quer admitir que está deprimido e desmotivado.
Ronaldo pensa no que podem dizer, o que o presidente vai achar, o que a namorada vai pensar.
Se preocupa em responder com palavras o que não consegue responder no campo.
A equipe finge que não há problemas.
Mas a alegria se foi.
São velhos no campo.
Cansados e ocupados com tantas preocupações.
Poucos ainda têm algo a provar, eterno estopim de nossa genialidade.
A super-exposição da Copa é, para esses, um mal e não um bem.
Não vai catapultar suas bem sucedidas carreiras.
Vai, ao contrário, apenas alertar para suas vidas distantes da realidade do país que representam.
Ricos falsos-europeus, já superaram a relação de sonho e conquista.
Empresários, investidores, não defendem o Brasil porque não são daqui.
É fácil esquecer a alegria tropical entre uma ou outra partida de golfe.
Ficam eles lá, estrangeiros a nos representar sem vontade.
Ficamos nós aqui, tentando encontrar alguma empatia com esses estranhos, "como é mesmo o nome desse"?
Ficam no banco a alegria e o novo.
Ficamos nós aqui a desejar dias melhores e a querer acreditar que de um jogo pra outro houve alguma melhora.
Mas felizes mesmo, só os argentinos.

12.6.06

64

A porta do elevador se abriu.
Seus olhos se cruzaram.
Ele estava no Kyocera.
Ela fingiu não vê-lo, baixou os olhos.
Mas não aguentou.
Foi subindo o olhar lentamente.
Medindo.
O sapato era Samello.
A calça Siberian.
O cinto VR.
A camisa Brooksfield.
Ele desceu no primeiro sub-solo.
O mesmo que ela.
Sorte ou destino?
Ela resolveu segui-lo.
Ele entrou em seu Hyundai.
Ela foi atrás.
Ele parou no Bob's.
Desceu fumando Charm.
Para chegar aqui, nenhuma avenida.
Só caminhos alternativos.
A cara dela.

5.6.06

63

Nomes são coisas sérias.
Veja os europeus por exemplo.
Centenas de anos de experiência, conquistando
com seus nomes pomposos as nações mais fracas,
terras de fulanos e menganos.
Ou você acha que é coincidência que Napoleão,
trazia em seu âmago o próprio rei do animais?
Nomes não são brincadeira.
Schumaker, pisa fundo e provavelmente teve um tataravô sapateiro.
A terminação "berg" dos judeus traz em sí a grandiosidade e imutabilidade de "montanha".
Blair é "campo-de-batalha", veja você.
O "ein" em "Einstein significa "primeiro", apesar de "stein" significar pedra,
o que não ajuda a comprovar meu ponto.
Mas não importa.
O fato é que nomes são muito importantes,
caso contrário Benjor ainda seria Jorge Ben.
Em tempos de guerra, mais ainda.
Por isso se você vai à Copa, fica aqui minha sugestão:
Se alguém perguntar o que significa o pós-fixo "inho" em português,
diga que significa "El Matador", "Pássaro de Fogo" ou mesmo "Cavaleiro de Falo Avantajado".
Sei lá...não desconfio do talento de nossos jogadores, consagrados em todo o mundo, mas não custa fazer a nossa parte quando Ricardinho, Cicinho, Juninho, Robinho, Ronaldinho entrarem em campo.

2.6.06

62

Outro dia fiquei sabendo do Lúcio.
Faltava de tudo para o coitado.
Dinheiro principalmente.
Não tinha emprego, abandonado pela mulher, morava num quarto e sala sem graça.
Tinha uma vida tão infeliz, que contraiu uma uretite de tanto segurar a urina.
É que segundo ele, o único momento feliz do seu dia, era quando mijava depois de horas de aperto o pobre do Lucio.
Quando podia pagar pela internet, mandava e-mails para endereços que inventava, só para receber as mensagens de erro.
Desligou a secretária eletrônica assim gastava menos eletricidade e tinha a chance de ao menos imaginar quem poderia ter ligado.
Pobre do Lucio.
Quase deixou de fumar, não por força de vontade, mas porque regulando o vício, gastava menos e como benefício adicional transformava o momento que colocava um cigarro na boca num momento quase tão feliz quanto uma boa mijada.
Um lutador o Lucio.
Mas um dia resolveu por um fim no seu martírio.
Procurou uma técnica que fosse infalível.
Encontrou, mas era trágica demais.
Segundo um manual de origem suspeita, encontrado num sebo do lado do Belas Artes, ele deveria dar um tiro no céu-da-boca, com a boca cheia d'água.
Com ilustrações detalhadas, o livro mostrava como a bala iria em direção ao cérebro, seguida de um fluxo explosivo de água.
Não tinha erro.
Coisa horrorosa pensou o Lucio.
Afinal, depois de tanta tristeza, queria que seu momento final fosse feliz, afinal.
Um suicídio alegre, gostava de pensar numa lógica que só ele compreendia.
Veneno de rato era nojento.
Se jogar do Terraço Italia era tão anos 70.
E não era opção pois tinha medo de altura.
Resolveu tomar remédio pra dormir.
No dia marcado, sentou na poltrona em frente à TV e preparou um chá com o frasco todo do tarja preta.
Tomou justo quando começou o Jornal Nacional.
O Bonner começa a ler os resultados da mega-sena, Lucio lembra que jogou.
Tira a carteira do bolso e procura o bilhete, no meio dos recibos do RedeShop.
Acompanha o primeiro número.
Quatro.
Acertou.
O sono vinha rápido. As palpebras pesavam.
Dezesseis.
Acertou.
Vinte e oito.
Certo de novo.
Era quase impossível ficar acordado, mas um terno ele nunca tinha feito.
Cinquenta e cinco.
Quadra.
Lucio pensou no que poderia ter feito com o dinheiro.
Apesar de que quadra paga uma merreca, pensou com o corpo tombando pro lado.
Setenta e três, Bonner parecia estar cochichando.
Ele falou setenta e três?
Se falou é quina.
Lucio fez um acordo com o sono. Resolveu fechar os olhos e escutar o último número.
Se fosse noventa e nove era sena.
Mas não deu tempo.
Lucio morreu justo quando Bonner anunciou que a Caixa Econômica informava que houve apenas um acertador.