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Se você está empregado, levante as mãos pro céu e agradeça.
Se você está desempregado, agradeça também.
Fica mais tempo com a família. Ao menos você é forte e saudável.
E afinal, ano novo, vida nova e você tem tudo para se dar bem.
Ou não.
Se vai ter bônus, beleza.
Se não vai ter, viva o décimo terceiro.
Este ano não foi diferente do ano passado.
Nem do outro.
Nem dos últimos 2005.
Ou dos últimos 15 mil.
Gente nasceu, gente morreu.
Gente se deu bem e para isso, outra gente teve que se dar mal.
Mas não importa o lado que você está: dia 31, exatamente à meia-noite, todas as conquistas serão zeradas.
Tudo o que você fez no presente, virou coisa do passado.
Como dizem as letras pequenas do Fundo de Investimentos: lucratividade passada não garante lucratividade futura.
A boa notícia é que fracassos passados também não implicam em fracassos futuros.
Tem gente que acha que esse é o ano que o pais irá para o buraco.
E tem os que acham que é quando vamos finalmente sair dele.
Ou vice-versa.
Tem gente que vai comemorar o novo ano com skol, brahma, kaiser, moet e veuve.
Tem gente que não vai comemorar.
Ano que vem só começa depois do Carnaval, o que não o isenta de pagar suas contas em janeiro e fevereiro.
Ano que vem vai ter muitos feriados prolongados, o que significa que você vai trabalhar um pouco menos que nesse ano.
A não ser que você seja arrumadeira de hotel.
Ano que vem o Corinthians, o São Paulo, o Palmeiras.
Um deles será campeão.
Ou vai surgir um time do interior que vai correr por fora.
No jockey vão ter barbadas e azarões.
Na Copa o Brasil vai arrebentar. Vai ser hexacampeão com gol do Ronaldinho na Argentina aos 47 do segundo.
Ou não.
É ano de eleição.
O Lula será candidato.
Ou o Serra.
Ou o Alkimin.
Ou o Garotinho.
Todos nós vamos ganhar, mesmo que todos esses percam e ganhe um outro nome, que vai surgir do nada e que ninguém ainda ouviu falar.
Ano que vem vão descobrir a cura para várias doenças.
E outras doenças ainda mais devastadoras vão surgir.
A gripe do frango, a febre da vaca, o lance dos ratos, o treco das cabras.
Um mosquito suspeito de transmitir um novo tipo de patologia.
Os patos, como sempre, vão voar para o sul e as baleias vão nadar para o norte.
Ou vice versa.
Terremotos, acidentes nucleares, separações, furacões, marés, enchentes, azar, vendavais, traições, miséria, inveja vão espalhar a tristeza.
Economistas, agrônomos, religiosos, cientistas, astrólogos e antropólogos vão apresentar explicações, dúvidas e soluções.
Todas vão se revelar mentirosas, duvidosas, prováveis ou possíveis.
Poucas certezas serão incluídas nos dicionários e nas enciclopédias.
Você vai acordar todos os dias tentando emagrecer, engordar, ganhar dinheiro, poupar, investir, casar, se separar, engravidar, ser livre, ser único, ser reconhecido.
Vai prometer que tudo vai mudar, que vai comprar um carro, uma casa, uma lancha, um avião.
Não importa o que você conquistar, em pouco tempo será pouco, insatisfatório.
E você vai querer mais.
Vai lutar por mais.
E vai conseguir.
Se não conseguir, vai achar que a culpa não é sua.
E é mesmo.

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Seu computador não pode ficar aí parado.
Muito menos é aceitável que quando você saia para almoçar, ele fique girando o logotipo 3D da sua empresa.
Seu computador é uma máquina poderosa.
Tem mais poder de processamento no seu telefone celular do que em Cabo Canaveral no dia em que o homem chegou na lua.
Já basta que você desperdice esse poder durante as horas em que está trabalhando.
Isso tem que ter um fim.
Foi pensando nisso que surgiram as primeiras idéias relacionadas a “computação em rede” e “clusters”, onde máquinas que supostamente estariam em descanso de tela passam a executar alguma tarefa útil para o mundo.
Um dos primeiros projetos com esse objetivo foi o SETI, ou Busca por Inteligência Extra-Terrestre. Nele, milhões e milhões de computadores de todo o mundo, recebiam “pacotes” de informações enviados por telescópios de todo o mundo e procuravam – enquanto os usuários dormiam – por um padrão inteligente de sinais, que pudesse representar vida em algum ponto do Cosmos.
Agora, o SETI foi integrado ao BOINC. O projeto de computação coletiva da Universidade de Berkeley.
A vantagem é que, ao participar do projeto, você dá ao tempo ocioso de seu computador ainda mais utilidade. Ao invés de apenas procurar por vida inteligente, tarefa que já é árdua na terra, que dirá no espaço, você ainda tem mais sete opções: mudanças climáticas, sinais gravitacionais de pulsars, melhorar o design do acelerador de partículas do CERN, investigar doenças relacionadas a proteínas, cura para doenças através do código genético, pesquisa biomédica, e estudo avançado de doenças.
Claro que os extra-terrestres também continuarão a ser procurados.
E claro, também, que você não tem que saber nada sobre os assuntos acima. Quem trabalha é seu computador, não você.

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Estou cercado de equipamentos.
O lado digital da minha vida.
Meu “digital hub”.
Um notebook com 60GB.
Um hard externo com mais 40 e outro com mais 100.
Meu celular tem 1 GB e ainda tenho um iPod Nano de 4GB e um iPod Video de 60Gb.
Total: 265GB.
É mais do que eu preciso para viver.
Boa parte de todas as músicas que sempre gostei.
As fotos de pessoas que conheço e mal conheço.
Também tenho uma quantidade suficiente de videos dessas mesmas pessoas.
Em resumo, conectado à blogosfera, tenho disponível na ponta dos meus dedos todos os textos, fotos, videos e músicas que possam vir a me interessar.
Então serei digital.
Com exceção de alguns minutos de afeto que despenderei à minha mulher e filhas, não existe muito mais razão para voltar ao mundo real.
O banco é on-line.
Falo com todo mundo por e-mail.
Meu corpo físico está definitivamente ficando obsoleto.
Na verdade, já não vinha gostando muito dele antes da Internet, mas agora, ao menos, tenho fé de livrar-me do meu eu físico de maneira honrosa.
Vou abandoná-lo aos poucos aqui nessa cadeira e manter-me conectado o máximo de tempo possível.
Plugado eu sou lindo.
Sou jovem, atlético, tenho vasta cabeleira e barriga tanquinho.
Sou ágil, tenho respostas rápidas e espirituosas.
Converso com todos e todos respondem felizes.
Baixo informação, subo opiniões.
Off-line, sou patético.
Tímido, flácido, tenho insônia e olheiras.
As unhas crescem, a barba cresce, crescem pelos nas orelhas e no nariz.
E mucos.
As vezes felpas no umbigo.
Então desperto meu notebook.
E estou de volta a vida bela.
Que contraste, meu deus.
Pronto.
É isso.
Não existirei mais fisicamente.
Vou fazer no photoshop o meu avatar, que reflita ao mundo o que sou em hexadecimal.
Só não pode faltar luz.
Senão fodeu.

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Nati terminou de escrever seu curriculum.
Nunca tinha visto um de verdade, então aquele que achou no google para copiar deveria servir.
Com algumas adaptações, para torná-lo mais pessoal, é claro.
Estava orgulhosa do resultado.
Uma página e meia com o resumo de seus 18 anos.
Digam o que quiser, mas isso aqui sou eu, pensou.
Em “Atividades” colocou “Telefonar”, “Net” e “Durmir”.
Em “Paixões”, uma sub-divisão que ela mesma havia criado, colocou “Deus” em primeiro lugar.
Depois “Família” e “Amigos”.
Em “Esportes” colocou só o que mais gostava.
“Hand”, “Patins” e “Malhação”.
Em “Filmes Prediletos”, outra criação sua, colocou “Shrek”, “Aos Treze” e “O Chamado”.
Esse último não tinha assistido até o final.
Mas achou que um filme mais sério podia impressionar.
A entrevista era amanhã depois do almoço, então Nati achou melhor dormir mais cedo.
Estava convencida de que, se realmente arrumasse aquele emprego, teria que largar a faculdade.
Ou ficaria muito corrido ir para a academia.
O importante era conseguir aquela vaga.
O salário era tudo de bom e seria suficiente para que ela não precisasse pedir mais dinheiro.
Se economizasse um pouco, podia até sair de casa.
Não que quisesse.
Depois que os pais se separaram, foi um alívio.
Não havia mais brigas e, mãe de um lado, pai de outro, todos tentavam agradá-la.
Uma benção a separação.
Mas dinheiro é importante.
Não compra felicidade, mas compra liberdade.
Mandou imprimir.
Leu de ponta a ponta o resultado impresso.
Releu.
“Estrogonofe”, será que é assim que se escreve?